Um polícia injustiçado

A secretaria-geral da Comando-Geral da Polícia Nacional recusou-se a receber, ontem, a petição do seu ex-agente Daniel Kamati, expulso da corporação por ter sido encontrado com 2,800 kwanzas (na altura, US $28) no bolso durante uma inspecção.

Segundo o agente, a secretaria-geral alegou que não poderia receber a carta por ter sido endereçada ao comandante-geral da Polícia Nacional, comissário-chefe Ambrósio de Lemos. Para além do referido comandante, Daniel Kamati dirigiu a mesma petição ao presidente da República, José Eduardo dos Santos, e ao ministro do Interior, Ângelo Barros de Veiga Tavares.

A secretaria-geral, após leitura da carta, insistiu que só a receberia caso o nome do comandante-geral da PN fosse retirado de entre os destinatários. A remoção do nome implicaria, então, que o comando-geral deixaria de ter qualquer obrigação de receber a carta, uma vez que, nesse caso, não seria dirigida a essa instituição.

Em prol do interesse público, Maka Angola publica, na íntegra, a carta que este veterano da guerra civil levou ao comando-geral.

A carta

«O meu nome é Daniel Kamati. Fui agente da Polícia Nacional desde 1999, com o NIP I 107712. Em 2013, fui demitido dessa mesma Polícia de forma brutal e desumana.

Considero a minha demissão injusta e arbitrária. Além disso, não me foi sido dada qualquer possibilidade de defesa.

Os factos de que me acusam teriam ocorrido em 14 de Junho de 2013, e em 22 de Agosto de 2013 – apenas dois meses depois – fui confrontado de forma humilhante com a leitura, numa parada, da minha demissão. Desde então, tenho reclamado, sem sucesso, por um acto de justiça. Por isso, partilho esta correspondência com os meus concidadãos, a maioria dos quais sofrem também injustiças graves por parte dos detentores do poder.

Toda a vida lutei por Angola e pelo MPLA.

Em 1995, entrei para as Forças Armadas Angolanas (FAA) como criança-soldado – tinha 15 anos. Combati, em 1998 e 1999, sob as ordens do “Coronel Hamuti”, comandante do 30º Regimento. Ajudei na libertação de Nhareia e Andulo, então bastiões da UNITA e do Kunhinga, na província do Bié.

No fim de 1999, ingressei na Polícia de Intervenção Rápida. Aí, no âmbito das operações de guerra na área de Tchimoma, município do Waku-Kungo, na província do Kwanza-Sul, parti as duas pernas ao accionar uma mina.

Depois disso, e após a recuperação, continuei sempre a prestar serviço na Polícia.

Sou um fiel soldado do regime.

Desde a minha mais tenra juventude, não conheci outra vida a não ser o serviço militar e policial à pátria. Dediquei o meu corpo e o meu espírito ao serviço da nação.

Agora, por ter sido encontrado com 2800 kwanzas no bolso, sou sumariamente expulso da Polícia, sem qualquer direito a responder, contestar, explicar. Um abuso!

Que tratamento é este, que justiça é esta que a Mãe Angola presta aos seus veteranos, aos seus combatentes?

Se alguém acusa a filha do Presidente de roubar milhões e instaura um processo, esse processo demora anos e anos e acaba por ser arquivado.

Um pobre agente da Polícia é falsamente acusado de extorquir 2800 kwanzas e acaba sumariamente expulso da Polícia, condenado à indigência, sem defesa e sem apelo, tudo se passando no prazo de dois meses!

A Inspecção da Polícia Nacional encontrou-me no meu local de trabalho, no posto policial da Cuca, afecto à 18ª Esquadra da 3ª Divisão do Cazenga. Eu tinha o dinheiro no bolso. Qual é o crime de um agente ter dinheiro no bolso?

Desde aí, nunca mais ninguém teve o cuidado moral ou cumpriu o dever legal de me ouvir. As exposições remetidas são devolvidas com um despacho seco dizendo que os reenquadramentos acabaram em 2006!

Fui despejado para a rua, pelas forças que sempre servi. Tenho seis filhos e três irmãos menores sob minha responsabilidade.

Quem ganhou a guerra, quem suporta este governo, não são três ou quatro generais e Sua Excelência o Presidente da República, mas sim a massa informe de soldados e polícias.

Soldados e polícias que hastearam a bandeira nacional com orgulho e que cada vez mais se vêem reduzidos à indignidade, à humilhação e ao esquecimento.

Somam-se os casos de mau tratamento das chefias aos seus soldados e agentes, os relatos de brutalidade, de arrogância, de falta de consideração pelo processo legal.

A minha história, combatente aos 15 anos e dispensado pelo regime aos 35, é igual à de muitos soldados e polícias que se entregaram para a defesa da pátria e se vêem agora reduzidos à miséria. E, sobretudo, sem qualquer respeito pela sua honra de combatentes.

Esta carta é um alerta e um aviso.

Quando a pátria não cuida dos seus filhos, quem vai cuidar da pátria?

Quando os chefes militares e policiais não respeitam os soldados e os agentes, quem os defenderá? Quem os protegerá?

Este é o meu grito de desabafo. Haja justiça!»

Fonte: Maka Angola

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