Palhaçada real num…
…país de faz-de-conta

O Presidente angolano (no poder há 37 anos se nunca ter sido nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos, pediu hoje – segundo a velha máxima “olhai para o que digo e não para o que eu faço” – que que exista “lisura e transparência” no processo de preparação das eleições gerais previstas para 2017, para que estas “correspondam de facto à real vontade dos eleitores”.

Por Orlando Castro

Desde logo fica o registo da enorme hipocrisia do também presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo. Isto porque, ao longo dos 37 anos que leva na liderança autocrática do país, nunca José Eduardo dos Santos se preocupou com a “real vontade dos eleitores”.

O chefe de Estado, que em Março deste ano passou um atestado de matumbez a todos os angolanos (incluindo, neste caso, os acólitos do MPLA) anunciou que se retira da vida política em 2018, discursava na Assembleia Nacional, em Luanda, sobre o Estado da (sua) Nação, durante a sessão solene de abertura da quinta sessão legislativa da III legislatura, mas sem comentar o seu futuro político.

Na sua pose de monarca (até levou para o Parlamento a sua cadeira real) limitou-se a recordar que se deslocava à Assembleia Nacional para proferir a “última mensagem sobre o Estado da Nação (obrigação da Constituição) no mandato, que decorre até 2017”.

Trata-se da última sessão legislativa antes das eleições de 2017 e decorreu pela primeira vez no novo edifício-sede da Assembleia Nacional, inaugurado em Novembro de 2015 em Luanda.

Aludindo aos processos do registo eleitoral, que antecede as eleições gerais e que é contestado – certamente (citando Eduardo dos Santos) respeitando a “real vontade dos eleitores” – pela oposição por serem conduzidos pelo Ministério da Administração do Território e não pela Comissão Nacional Eleitoral, José Eduardo do Santos apelou a que “se pautem pela lisura e pela transparência”.

Que melhor exemplo de transparência se poderia ter? Pôr o Ministério da Administração do Território a conduzir o processo é, digamos, a transparência elevado ao seu mais alto expoente. Ou não?

Fazendo usso do seu elevado prestígio local, regional, continental e mundial, Eduardo dos Santos recordou que alguns processos eleitorais em África estão a ser “convertidos” em “viveiros de instabilidade” para o continente, seja “através da contestação directa dos seus resultados, quer através da tentativa de alteração da ordem constitucional”, com “consequências imprevisíveis”.

Tem razão. Felizmente que a avançada democracia angolana, evolutivamente baseada no que há de melhor no mundo nesta matéria (Coreia do Norte e Guiné Equatorial), tem como ponto único que, por uma questão de estabilidade, todos são livres para votar quem quiserem, sendo certo que quem ganha é o MPLA. É por isso que Angola é um país estável. Algumas tentativas de instabilidade são, in continente, deslocadas para a reserva nacional do Bengo, onde os jacarés põem ordem na crise.

“Que cada um, com o seu voto, faça livremente a escolha dos dirigentes que entendem que devem continuar a governar o país, e que não só o Estado mas também os partidos políticos, a sociedade civil, as igrejas e todos os cidadãos assumam com responsabilidade o seu papel, para que o processo seja realmente democrático, livre e decorra com normalidade e de modo exemplar”, sublinhou o Presidente.

Por outras palavras, votemos livremente. Depois os votos serão contados e canalizados consoante as necessidades. Isto porque, obviamente, o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.

Sem apontar qualquer pista sobre o seu futuro, José Eduardo dos Santos limitou-se a recordar que com a realização de novas eleições “novas propostas de candidatos aos mais altos cargos do país vão surgir”, permitindo consolidar um processo democrático “que já é irreversível” em Angola. Irreversibilidade, diga-se, não depende da vontade dos angolanos. Depende exclusivamente do seu “guia supremo”, “querido líder” e “escolhido de Deus”.

Sobre a economia familiar e unipessoal de José Eduardo dos Santos, afirmou que o crescimento económico do país não estagnou e que apenas “perdeu a pujança” devido à crise ao mesmo tempo que rejeitou comparações com outros países, como Portugal.

“Foi preciso fazer quase tudo de novo. Desminar, reconstruir, reequipar e reorganizar. Nós não podemos falar do nosso país como se estivéssemos a falar de Portugal, de Cabo Verde, do Senegal ou de outro país qualquer. A nossa história não é igual nem parecida com a dos outros. O nosso povo está consciente desse facto e sabe o porquê e como construir o futuro”, afirmou José Eduardo do Santos.

Desde o tempo de… Diogo Cão

E não adianta, de facto, fazer comparações. Angola é caso único. E a sorte é ter um “guia supremo” como José Eduardo dos Santos e um partido como o MPLA, cujas ancestrais raízes remontam ao tempo em que Diogo Cão aportou por estas bandas.

Segundo o presidente, “Angola está a lidar com a crise melhor do que outros países. Exemplo disso são a baixa progressiva dos preços dos bens essenciais, da inflação, e a taxa de juros, a recuperação da actividade das empresas e dos níveis do emprego”. Estaria Eduardo dos Santos a falar de Angola? Ele diz que sim.

Durante a intervenção, a propósito da diversificação da economia, para reduzir o peso das exportações de petróleo, o chefe de Estado recordou que essa “não é uma ideia nova”, só que “não havia condições objectivas” no país “para avançarmos mais depressa”, recordando os dois milhões de minas implantadas no final do conflito armado, em 2002.

Pois é. São as minas, foi Jonas Savimbi, foi o colonialismo. Mas, mesmo assim, como não se cansam de enaltecer os seus lacaios, ainda foi possível a José Eduardo dos Santos ser o líder militar que derrubou o regime de “apartheid” e que só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos.

Foi, aliás, graças a José Eduardo dos Santos que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar.

Por alguma razão o divino carisma de José Eduardo dos Santos tornou-o o mais popular político mundial, pelo menos desde que Diogo Cão por cá andou. Tão popular que bate aos pontos Nelson Mandela, Martin Luther King e até mesmo Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi.

E viva Donald Trump

“U tilizando a força, os Estados Unidos da América levaram a cabo intervenções em várias partes do mundo para impor os seus valores políticos, com resultados adversos. Acabaram assim por gerar mais instabilidade no Médio Oriente, na Ásia e em África, onde não conseguiram nem impor a paz, nem desencorajar os movimentos terroristas”, afirmou José Eduardo dos Santos, pondo Barack Obama a tremer, Hillary Clinton com febre a Donald Trump aos altos.

“Que rumo agora seguirá a política externa americana, com o novo Presidente a ser eleito em Novembro? Qual será a reacção da Rússia e de outras potências de desenvolvimento médio? Um mundo mais seguro só pode ser arquitectado na base do diálogo e do entendimento desses dois grupos, e de uma neutralidade mais activa da parte das Nações Unidas”, disse sua majestade o impoluto e honorável rei de Angola.

Recorde-se, como aqui foi noticiado, que José Eduardo dos Santos enviou uma mensagem de felicitações a António Guterres, pela sua eleição como secretário-geral das Nações Unidas, prevendo uma liderança “firme e esclarecida”.

José Eduardo dos Santos transmitiu na sua mensagem que António Guterres “poderá contar com o apoio da República de Angola na consecução dos fins, princípios e valores consagrados na Carta das Nações Unidas em prol da paz e segurança internacionais”.

Na mesma mensagem, o chefe de Estado angolano ressaltava que as “qualidades pessoais” do antigo primeiro-ministro português “constituem uma garantia inequívoca de que aquela organização internacional poderá contar com uma liderança firme e esclarecida”, para dessa forma “superar os inúmeros desafios que se colocam no complexo mundo actual”.

Com Lusa

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