O petróleo angolano e a sua mancha negra de destruição

Angola vive uma situação delicada do ponto de vista democrático e isso infelizmente já faz décadas. O actual governo corrobora com esse cenário difícil de conviver por meio de actos de violência contra manifestações civis, prisões injustas e medidas para não viabilizar o debate político com outros partidos e casos extremos de corrupção activa e passiva. A actividade petrolífera no país está envolvida em vários escândalos de corrupção e degradação do meio ambiente angolano.

Por Marcelo de Medeiros (*)

Além de ser a fonte principal dos casos de falta de transparência dos órgãos públicos e corrupção do governo, a indústria de exploração de gás e petróleo em Angola já produziu grandes danos ambientais para os ecossistemas costeiros e prejuízos sociais para a população decorrentes de tais desastres.

Os impactos ambientais já começam no processo de execução dos estudos geológicos para saber as áreas que são potencialmente armazenadoras de combustíveis fósseis ao provocar os tremores artificiais da prospecção sísmica, ocasionando sérios impactos em espécies marinhas como peixes e larvas que por sua vez possuem uma enorme importância económica para a parcela da população que depende da pesca artesanal para o seu sustento e sobrevivência.

O impacto negativo também é sentido noutros componentes da fauna, sendo os mais prejudicados os animais marinhos que utilizam sistemas de comunicação por uma espécie de sonar para se orientarem e para encontrar alimentos.

Essas actividades de prospecção afectam os ciclos reprodutivos e de crescimento desses animais com a consequente diminuição do número de indivíduos das espécies, podendo ter consequências negativas ao longo prazo nessas regiões.

As fases de perfuração e extracção também possuem impactos severos no crescimento e desenvolvimento reprodutivo de algumas espécies de moluscos e na alteração de respostas imunológicas de peixes. A construção das plataformas marinhas para a exploração dos combustíveis fósseis, por exemplo, alteram de modo significativo o ecossistema marinho local ao causar interferência nas rotas migratórias de mamíferos, aves marinhas e peixes, além de causar mudanças na estabilidade dos recifes de corais.

No entanto, sem nenhuma dúvida, o maior impacto socio-ambiental causado pelas petrolíferas são ocasionados pelos derrames ou vazamentos de petróleo advindas de erros técnicos e/ou humanos relacionados com as actividades do sector. Em Angola, a campeã de desastres ambientais no sector é a multinacional Chevron, a principal operadora das actividades “offshore” na região de Cabinda, por meio da sua participação como associado maioritário da Cabinda Gulf Oil Company, e que há anos vem sugando de forma veemente as riquezas do país com o consentimento do governo e sem fazer qualquer tipo de projecto ou obra significativa para a população do país, muito pelo contrário, o rasto das actividades da Chevron no mar angolano é muito devastador.

Entre Dezembro de 1999 e Março de 2001, por exemplo, dois graves derramamentos de petróleo ocasionado pelas actividades da Chevron no Malongo, tendo cada desastre despejado no mar 40 e 90 barris, respectivamente. No derrame ocorrido em 2001, a Chevron não entrou em contacto com os órgãos do Governo para informar o ocorrido no prazo estipulado pela legislação de Angola e ainda por cima deu um parecer da situação não condizente com a realidade e com os pareceres dos ambientalistas locais que viram de perto o estrago causado pela petrolífera. Infelizmente essa é uma prática comum dessas empresas, principalmente da Chevron, que tem um histórico invejável de terríveis desastres ambientais nos países nos quais a petrolífera realiza suas operações.

Em 2011 e em 2015, Cabinda voltou a sentir o peso da exploração do petróleo na região pela Chevron com mais casos de derramamento de crude na região. E isso são os acidentes que são divulgados de alguma forma, mas é muito provável que o mar angolano sofra de pequenos derramamentos de petróleo constantemente com uma tendência de graves danos permanentes na região.

A população e os pescadores de Cabinda sofrem constantemente por causa dos derrames, já que os desastres afectam de forma drástica a actividade pesqueira. A Chevron é acusada pelos habitantes da região pelo desaparecimento de algumas espécies de animais marinhos no Mar de Cabinda e dos mangues da foz do rio Chilongo, e os pescadores e populares não são ressarcidos pela petrolífera da forma como eles merecem.

A indústria do petróleo e toda a sua cadeia é uma grande poluidora do meio ambiente e que quase sempre esconde os reais impactos dos desastres causados por essas corporações. Num Estado em que há uma grande complacência e parceria entre governo e petrolíferas, a chance de ocorrência e agravamento desse tipo de desastres é muito maior, visto que os órgãos públicos de regulação e controle ambiental podem fazer vista grossa e deixar essas empresas simplesmente impunes e deixar os custos socio-ambientais para a sociedade em geral.

Outro factor agravante é que, quase sempre, as corporações petrolíferas se aproveitam dessa frágil legislação ambiental e da falta de uma fiscalização mais enérgica e utilizam práticas operacionais não muito seguras e utilizam tecnologia e equipamentos velhos e desgastados, que não podem ser utilizados de forma alguma em países mais rígidos e com uma regulação ambiental mais severa. O consentimento entre o governo de Eduardo dos Santos e seus ministros com as precárias formas de regular a actividade no país é um caso muito grave e que não pode deixar de ser questionado.

E não podemos nos enganar: mesmo que os órgãos ambientais penalizem a Chevron, bem como as outras petrolíferas, é muito mais barato para elas pagarem essas multas (que parecem ser muito mais simbólicas de que qualquer outra coisa) do que investir em equipamentos e processos de extracção adequados. O baixo custo de produção em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento compensa essas possíveis e raras multas financeiras. O único modo de acabar com o problema de vez é Angola começar a pensar no seu futuro e traçar um plano de desenvolvimento que não considere a extracção de combustíveis fósseis como o principal caminho de desenvolvimento do país, diversificando sua economia e acabando de facto com a desigualdade vivida por sua população.

A indústria petrolífera domina mais de 95% da economia angola, mas emprega somente cerca de 0,5% da população economicamente activa da população, não gerando empregos, só aumenta a desigualdade e eleva os índices de corrupção do país, manchando não só o meio ambiente como também a imagem de Angola perante a comunidade internacional.

(*) Activista climático brasileiro e colaborador do ClimateTrackerProgram

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