Não há crise que derrote o regime

O embaixador de Angola em Portugal, José Marcos Barrica, que a nível da elevadíssima intelectualidade do regime rivaliza com Luvualu de Carvalho, João Pinto e Bento Kangamba, considera que a crise económica e financeira em Angola é passageira.

Como perito, Marcos Barrica diz que o país (ele queria dizer regime) vai superar as dificuldades e, por isso, sustenta que em Angola “não há crise que resista”. Para isso basta que, como acontece desde 1975, Angola seja o MPLA e o MPLA seja Angola.

“Estamos seguros que podemos afirmar com confiança que, apesar de tudo, em Angola não há crise que resista, é tudo uma questão de tempo”, disse o embaixador, na sessão de abertura da conferência organizada pela Câmara de Comércio Indústria Portugal Angola, sobre os 40 Anos de Independência de Angola – Construir um Futuro Sustentável, que hoje decorre em Lisboa.

“Temos um contexto muito difícil na economia angolana, com reflexos indesejados no ambiente de negócios que se pretende sustentável”, salientou o embaixador, vincando que “apesar da estabilidade política, Angola está a atravessar um período de progressiva crise económica e financeira desde o segundo semestre de 2014”.

José Marcos Barrica afirmou que, “neste contexto de crise, existem pelo menos dois elementos que podem tornar-se mais perniciosos que a própria crise”, elencando “a não identificação causal e a falta de serenidade e ausência de estratégia coerente de reversão da crise”.

Para o diplomata, “as autoridades do Estado têm identificadas claramente as causas desta perturbação e, mais do que isso, há a consciência da urgência quanto à reversão da crise”, que surgiu desde que o preço do petróleo começou a descer nos mercados internacionais no verão de 2014, passando de um pico de 110 dólares por barril para cerca de 30 actualmente.

“O executivo definiu uma estratégia que incide no domínio fiscal, monetário, do comércio externo e do sector real da economia”, acrescentou Marcos Barrica, antes de dedicar uma palavra à ajuda dos portugueses na superação das várias crises por que Angola passou.

“Temos uma história marcada por situações de adversidade mas de superação e progresso, uma história de resiliência que foi e é conseguida contando com as suas próprias forças, mas também com o indispensável concurso e participação activa de empresários, comerciantes e muitos outros cidadãos anónimos portugueses que em circunstâncias de crise e dificuldade na história recente, se mantiveram no interior do país, travando lado a lado com os angolanos batalhas comuns pelo desenvolvimento, progresso e bem-estar do país”, disse Marcos Barrica.

“Sustentando-nos nestas lições de vida, nas experiências positivas acumuladas, estamos seguros que podemos afirmar com confiança que apesar de tudo em Angola não há crise que resista, é tudo uma questão de tempo”, concluiu o diplomata.

Quem é Marcos Barrica? Um dos maiores…

Com a eventual excepção de Luvualu de Carvalho, João Pinto e Bento Kangamba, ninguém supera Marcos Barrica. Se dúvidas existissem, bastaria reler a entrevista que o embaixador em Lisboa deu ao Pravda, há quem o conheça por Jornal de Angola, em que disse que em Portugal se fala mais de Luaty Beirão do que do Papa.

Se a isso se juntar o facto de, segundo embaixador português em Argel, António Gamito, as empresas portuguesas que estavam instaladas em Angola estarem a procurar o mercado argelino, como alternativa à crise no nosso país…

O embaixador do regime angolano em Lisboa acusou, na dita encomenda ao Pravda, Portugal de utilizar o caso dos activistas detidos em Luanda como “pretexto” para voltar a “diabolizar Angola”. Bem nos parecia. A culpa é, só podia, de Portugal. Neste e em outros casos, seja da pobreza, da fome, dos buracos nas estradas, do lixo em Luanda, do surto de febre-amarela (oficialmente já vamos em 125 mortos). Tudo é culpa dos tugas.

Em declarações citadas no Pravda (25 de Outubro de 2015), o embaixador (do regime) José Marcos Barrica condena a “insistente diabolização de Angola” por parte de alguns “sectores maléficos” da sociedade portuguesa.

“O problema do cidadão Luaty Beirão é apenas um pretexto para fazer ressurgir aquilo que em Portugal sempre se pretendeu: diabolizar Angola”, apontou o embaixador Marcos Barrica. Tem razão. É só um pretexto. Isso mesmo é confirmado pela posição de cócoras que o Governo de Lisboa tem em relação ao regime de Eduardo dos Santos.

Em causa estava, como continua a estar, o caso dos activistas acusados formalmente, desde Setembro, de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano (nunca nominalmente eleito e há 37 anos no poder).

Na mesma declaração, o diplomata do regime diz assistir hoje, em Lisboa, “a uma campanha para denegrir a imagem de Angola e abafar as suas conquistas alcançadas ao longo dos 40 anos de independência, por causa de um indivíduo que em Portugal é mais falado que o Papa”.

Mais uma vez o embaixador do regime tem razão. Ninguém fala das enormíssimas, antológicas e incontornáveis conquistas do regime nos 40 anos de independência. A saber:

– Todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia. 70% da população passa fome;

– 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos;

– No “ranking” que analisa a corrupção, Angola está no top;

– A dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975;

– A corrupção política e económica é, hoje como ontem, utilizada contra todos os que querem ser livres, que 76% da população vive em 27% do território, que mais de 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população;

– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Diz ainda Marcos Barrica que, “fiel aos bons costumes e ao princípio de não-ingerência, jamais Angola ousou questionar ou exercer pressão de qualquer espécie sobre decisões de entidades portuguesas, por constituírem assuntos internos deste Estado soberano”.

Estaria, em antecipação, a falar da corrupção (em averiguação em Portugal) de um magistrado português para arquivar o processo sobre o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente?

Seja como for, importa reconhecer e enaltecer a impoluta folha de serviços revelada pelos altos dignitários do regime que, diga-se, nunca viram nestes 40 anos os seus nomes investigados pelos tribunais, nunca estiveram envolvidos em nenhum “Angolagate”, nunca constaram das listas da Interpol, nunca foram acusados de coisa alguma.

Fazendo uso da sua conhecida capacidade anedótica, com a qual espera um dia destes ser condecorado pelas maiores democracias do mundo, a começar pela Coreia do Norte, diz Barrica que “o Presidente da República não pode fazer o papel que cabe aos tribunais, interferindo no tratamento de matéria sob a alçada do poder judicial”.

Essa foi mesmo boa. Kim Jong-un, tal como Robert Mugabe e Teodoro Obiang, partiram a cabeça de tanto rir.

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