Na condenação ao rei de Angola, Açores não são Portugal

O Parlamento dos Açores aprovou hoje, por maioria, um voto de protesto a censurar a situação em Angola que “atenta contra princípios elementares da democracia”, na sequência da condenação de 17 activistas políticos a penas de prisão.

No documento, apresentado pela deputada do Bloco de Esquerda, Zuraida Sores, lê-se que “o Tribunal de Luanda ao condenar, no passado dia 28 de Março, 17 activistas políticos a penas de prisão que variam entre os dois anos e três meses e os oito anos e seis meses, desrespeitou a democracia, o Estado de Direito e os direitos humanos”.

Os 17 activistas foram condenados a 28 de Março a penas de prisão efectiva entre dois anos e três meses e oito anos e seis meses, por supostos e nunca provados actos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores.

“O direito de oposição política não pode ser confundido com o crime de subversão, nem pode o direito de reunião e de associação ser confundido com um bando de malfeitores, sob pena de se violarem direitos humanos basilares”, afirmou Zuraida Soares no plenário que decorreu na Horta, ilha do Faial.

Para a parlamentar, “a condenação desta acção, levada a cabo pelo Estado angolano, ultrapassa qualquer divergência ideológica ou quaisquer interesses comerciais, financeiros, políticos ou outros, e, também por isso, tem suscitado repúdio, por parte de diversas organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, as quais se têm pronunciado em defesa destes jovens angolanos e do seu direito inalienável a exercerem as suas liberdades fundamentais, em paz”.

No voto de protesto, a Assembleia Legislativa dos Açores “condena a situação a que se assiste e que atenta contra princípios elementares da democracia e do Estado de Direito e apela para que, nos termos previstos na legislação da República de Angola, a tramitação do processo obedeça aos princípios fundadores do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição, por meios pacíficos, às autoridades constituídas”.

O voto vai ser dado a conhecer ao Presidente da República, à Assembleia da República e a todos os partidos com assento no parlamento nacional, ministro dos Negócios Estrangeiros e embaixador de Angola em Portugal.

Aníbal Pires, do PCP, votou contra a iniciativa do Bloco de Esquerda, justificando, entre outras razões, com o facto de ser uma ingerência num Estado soberano, numa matéria que uniu os restantes partidos com assento parlamentar (BE, PS, PSD, CDS-PP e PPM).

A face nojenta de Lisboa

Recorde-se que o Bloco de Esquerda, um dos partidos que apoia o actual governo socialista de Portugal, instou no passado dia 30 de Março o primeiro-ministro, António Costa, a falar pela “libertação” dos “presos políticos” em Angola, com o chefe do Governo a limitar-se a reiterar a posição já emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

“Estes activistas são presos políticos. Estamos num debate no Parlamento português, casa da liberdade e da democracia. Este é o lugar para o primeiro-ministro deixar uma palavra clara pela libertação dos presos políticos de Angola”, sublinhou a porta-voz do BE, Catarina Martins, dirigindo-se a António Costa.

“Angola é uma ditadura”, prosseguiu Catarina Martins, registando que Portugal já disse estar a acompanhar o caso pelos canais diplomáticos.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros comentou a condenação a prisão efectiva de 17 activistas angolanos, afirmando que o Governo português “tomou boa nota” da intenção expressa pela defesa de recorrer da decisão judicial.

“Tomamos boa nota da comunicação, pela defesa, da intenção de interpor recurso judicial em face da gravidade e dimensão das penas hoje decididas pelo tribunal de primeira instância; e confiamos que a tramitação do processo, nos termos previstos na legislação angolana, obedeça aos princípios fundadores do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição por meios pacíficos às autoridades constituídas”, lê-se na nota do MNE, lida no parlamento pelo primeiro-ministro.

Importa, neste contexto, repetir (e repetimos sempre que necessário pois, ao contrários do que pensam os sucessivos governos portugueses e sua majestade o rei de Angola, a verdade não prescreve) que os partidos portugueses PSD, CDS-PP e PCP rejeitam qualquer tipo de condenação sobre a “repressão em Angola”. A favor só mesmo BE. Quanto ao PS, flutua consoante os interesses momentâneos, mas nunca hostilizando o regime de José Eduardo dos Santos.

Como se tornou regra em Angola, também no prostíbulo político português, a palhaçada tomou conta dos areópagos lusitanos, isto sem culpa dos palhaços propriamente ditos.

Recentemente foi debatido no Parlamento português um voto de condenação apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos “activistas detidos”.

Este voto do BE contou (para além da oposição do PSD, CDS e PCP e abstenção do PS) ainda com o apoio de seis deputados socialistas (Alexandre Quintanilha, Isabel Moreira, Inês de Medeiros, Isabel Santos, Pedro Delgado Alves e Wanda Guimarães), além do representante do PAN (Pessoas Animais e Natureza).

“É preciso travar e dar por finalizado este arrastado processo que visa intimidar, deter e punir aqueles que criticam a governação de José Eduardo dos Santos, que tem tido interferência directa ao longo de todo o processo, dando ordens no sentido de prolongar indefinidamente as audiências”, referia-se no voto da bancada bloquista.

O PCP (irmão gémeo do MPLA) demarcou-se totalmente desta iniciativa do Bloco de Esquerda, apresentando uma declaração de voto na qual se advertia que outras forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de desestabilização de Angola”. E quem diz em Angola diz, por exemplo, na Coreia do Norte.

“Reiterando a defesa e a garantia das liberdades e direitos dos cidadãos, cabe às autoridades judiciais angolanas o tratamento de processos que recaiam no seu âmbito, de acordo com a ordem jurídico-constitucional, não devendo a Assembleia da República interferir sobre o desenrolar dos mesmos, prejudicando as relações de amizade e cooperação entre o povo português e o povo angolano”, lê-se na declaração de voto apresentada pela bancada ortodoxa, marxista, leninista, acéfala e canina do PCP.

Por outro lado, com a abstenção do PSD e do CDS-PP, a Assembleia da República aprovou um voto apresentado pelo Bloco de Esquerda de condenação pela morte de três activistas curdas e feministas Sêvê Demir, Pakize Nayir e Fatma Uyar na sequência de uma operação militar turca.

“A Assembleia da República expressa o seu mais profundo pesar por este triste acontecimento e presta homenagem às vítimas, suas famílias e ao povo curdo e repudia todos os atentados contra a liberdade e os direitos humanos na Turquia, como em qualquer outro país do mundo”, lê-se no voto aprovado pelo Parlamento.

Para além de pôr de joelhos e de mão estendida políticos como José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas, Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, José Eduardo dos Santos juntou agora ao seu séquito e de forma oficial o primeiro-ministro António Costa. De forma oficiosa, por enquanto, também lá está Marcelo de Rebelo de Sousa.

O processo português de bajulação de sua majestade o rei de Angola remonta à data em que, de bandeja, Angola foi entregue ao MPLA em Novembro de 1975.

Com todo este suporte bajulador, Eduardo dos Santos continua a encher o peito e a garantir que os angolanos não vão deixar que “os mentirosos, os demagogos e os caluniadores cheguem ao poder”.

“Aqueles que teimam em fomentar agitação, instabilidade e negar o que toda a gente tem diante dos olhos terão a devida resposta nas urnas”, avisou sua majestade o rei José Eduardo dos Santos. E se não for nas urnas eleitorais será nas urnas funerárias.

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