Memória para quê?

Será a memória uma arma importante para os jornalistas manterem viva a força da razão, derrotando a cada vez mais poderosa razão da força? É. Mas, também é verdade, há cada vez mais gente a tentar apagá-la. Está a ser uma sobrevivência complicada.

Por Orlando Castro

E se é assim nos países que são, de facto e de jure, Estados de Direito Democráticos, o que se poderá dizer dos que são, como Angola, um feudo esclavagista apaparicado por todos aqueles que entendem que há terroristas bons e maus, e não apenas terroristas?

Neste contexto, ninguém pode levar a mal que os jornalistas domesticados deixem de dar voz a quem a não tem se, como acontece em Angola, isso significar ser assessor de ministro, membro do clã presidencial, sipaio itinerante, bajulador com casa na Europa.

Tanto em matéria de democracia como de liberdade de imprensa (nenhuma existe sem a outra), Angola mostra que – mesmo no estrangeiro – a sua política passa não por pressionar, comprar, ou domesticar os jornalistas mas, antes, por fazer isso tudo com os donos dos donos dos jornalistas.

Recorde-se um paradigmático exemplo português. Respeita às teses do então consultor político do ex-Presidente da República, Cavaco Silva, e seu ex-assessor de imprensa, Fernando Lima, para quem “uma informação não domesticada constitui uma ameaça com a qual nem sempre se sabe lidar”.

Foi, aliás, nesse tempo que começou a notar-se com mais nitidez a tese reinante em Portugal de que jornalista bom é… jornalista de barriga vazia.

De qualquer modo, não cremos que a liberdade de imprensa seja um problema. Só é preciso que os Jornalistas, seja no Irão, na China, em Portugal ou em Angola percebam que dizer o que pensam ser a verdade é mais de meio caminho andado para a prisão, para o desemprego, para a margem da vida, para levar um tiro na cachimónia.

É preciso que saibam (e em Angola percebemo-lo muito bem) que a diferença entre Jornalistas bestiais e Jornalistas bestas é apenas o quero, posso e mando dos donos dos jornalistas e, é claro, dos donos dos donos.

Percebida essa regra de ouro, tudo é mais fácil. Os cargos e os correspondentes ordenados estão em linha directa com as colunas vertebrais amovíveis. Portanto, ser jornalista é fácil e até pode dar milhões. Basta, entre outras regras, baixar as calcinhas…

Há uns anos, no Irão, Bahman Ahmadi Amoui, editor do jornal económico “Sarmayeh” e crítico das estratégias económicas do presidente Mahmoud Ahmadinejad, foi condenado a sete anos e quatro meses de prisão, acrescidos de 34 chicotadas.

E ainda se queixam os Jornalistas, alguns, do que se passa em Angola. Já viram o que era apanhar umas tantas chibatadas por ordem dos mercenários, sipaios e similares que tomaram conta de alguns dos estaminés?

E pelo andar do reino esclavagista de sua majestade o rei de Angola, agora legitimado com a aprovação canina do MPLA da Lei de Imprensa, os gulags, apesar das denúncias de, por exemplo, Alexander Soljenitsin, continuam a existir, tantas vezes dentro das próprias redacções que, cada vez mais, funcionam como meros entrepostos do regime.

Na China, a 28 de Dezembro de 2009 as autoridades condenaram a seis anos de prisão o realizador tibetano Dhondup Wangchen, por ter filmado entrevistas com tibetanos para um documentário chamado “Leaving Fear Behind” (Deixar o Medo para Trás).

Pois é. Há muito que, no caso de Angola, chegou a altura dos jornalistas perguntarem não o que o regime esclavagista pode fazer por eles mas, antes, o que eles podem fazer pelo regime. E o que podem fazer é serem veículos transmissores e reprodutores, barrigas de aluguer, das verdades oficiais. Se o fizerem terão a vida, uma boa vida, garantida. Sendo que muitos deles até dão o mataco como prova de fidelidade, não custa a crer que estejam no bom caminho.

Os jornalistas sabem que é melhor estar de cócoras e ter um prato de lentilhas, do que estar erecto mas de barriga vazia. Sabem que é preferível serem criados do poder e ter dinheiro para pagar ao merceeiro, do que serem honrados profissionais e andarem a mendigar nas esquinas da vida.

O MPLA conseguiu (ou não fosse o dono da gamela desde 1975), sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lentilhas, convencer alguns jornalistas que devem pensar apenas com a cabeça… do chefe, mostrar aos Jornalistas que ter um cartão do MPLA é mais do que meio caminho andado para ser chefe, director, adido ou até administrador.

José Eduardo dos Santos tem razão quando calcula que, com mais meia dúzia de lentilhas, muitos dos jornalistas que ontem eram defensores acérrimos de que urge dar voz a quem a não tem, hoje saltaram a barricada e advogam que é preciso manter o MPLA no poder por mais uns 30 anos.

E se um dia destes o Poder mudar de mãos, lá veremos essa canalha (tal como políticos do tipo João Pinto ou Luvualu de Carvalho) dizer que sempre foram contra o ditador.

Enquanto isso não acontece, lá vamos ter de continuar a conviver com supostos jornalistas que têm de se descalçar para contar até 12, mas que têm uma enorme vantagem sobre todos os outros: o cartão do MPLA.

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