Luís Nascimento acusa:
Justiça angolana é perversa

Luís Nascimento é um dos advogados dos jovens activistas políticos conhecidos por 15+2 e que, nesta altura, estão em liberdade com Termo de Identidade e Residência. A sua libertação, embora provisória, mostrou a fibra profissional, a ética e o respeito pela Constituição e pelas leis do Dr. Luís Nascimento e dos seus pares que, reconheça-se, honraram a Justiça e são dignas de algo que, infelizmente, Angola ainda não é: um Estado de Direito Democrático.

Por William Tonet

Folha 8 – Dr. Luís Nascimento, parece que ainda não consegue medir a alegria pelo desfecho sobre a concessão do Habeas Corpus, por prisão ilegal, da maioria dos jovens do processo 15+2 (excepção inicial de Nito Alves).

Luís Nascimento – Tem razão. Acordei, na madrugada de 29 de Junho último e pude ler na primeira mensagem que foi enviada se eu já sabia da eventual soltura dos “Revús”, nesse mesmo dia. Respondi já no escritório, que não sabia absolutamente de nada, uma vez que nem eu nem outro qualquer advogado no processo, tinha sido notificado de qualquer Acórdão de Tribunal algum. Em todo o caso, incumbi o relações públicas do escritório a deslocar-se ao Tribunal Constitucional, pois “O PAÍS” era a fonte da notícia, a fim de se certificar in loco da idoneidade ou não da notícia, o que ele não conseguiu confirmar. Encontrava-me já descrente quando, por volta do meio-dia, recebi o telefonema do Dr. Michel, um dos meus colegas na defesa dos “Revús”, que me informou estar a caminho do Hospital Prisão de S. Paulo, para participar na libertação provisória dos mesmos, por Acórdão do Tribunal Supremo, facto que despertou em todo o colectivo do escritório uma grande alegria, que nos levou a abandonar tudo o que fazíamos e dirigirmo-nos ao Hospital Prisão de S. Paulo, onde, depois de mais de três horas pudemos participar neste segundo acto de libertação dos “Revús” que, desta vez, auguramos que seja definitiva.

F8 – Tivemos conhecimento que foi o Tribunal Supremo a ligar dando-vos conhecimento, em primeira mão, sobre o provimento do Habeas Corpus do qual foi um dos pioneiros. Confirma?

LN– O Dr. Michel foi quem anunciou ter recebido um telefonema de alguém do Tribunal Supremo, a informá-lo da notícia. Não foi nenhum dos advogados, até ao momento, notificado do Acórdão do Supremo. De resto, o mais importante é que estejam já soltos, à excepção, no mesmo dia e hora de Nito Alves

“A sensação que tivemos em sairmos em liberdade com os “Revús”, depois de termos assistido, no interior do Hospital Prisão, ao ritual formal da recepção dos seus mandatos de soltura, foi de certa libertação também nossa”

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F8 – Que sensação teve quando viu as portas das masmorras do regime abrirem-se para devolver à liberdade, ainda que provisoriamente, jovens inocentes, que nunca deveriam ter sido presos?

LN– A sensação que tivemos em sairmos em liberdade com os “Revús”, depois de termos assistido, no interior do Hospital Prisão, ao ritual formal da recepção dos seus mandatos de soltura, foi de certa libertação também nossa e de grande alívio, por pensarmos que, este acto, pode representar, para nós, advogados, a libertação de grande parte do fardo que transportamos há mais de um ano.

F8 – Como advogado, sentiu dos jovens, depois da sua libertação, algum arrependimento pelo que fizeram, melhor, a decisão de não lerem mais e reivindicar por oportunidades iguais, democracia e liberdade?

LN– Os jovens não estão arrependidos de nada, porque pensam não ter feito nada de ilícito, nada de censurável. Por isso, mal reconquistaram a sua liberdade decidiram, espontaneamente, fazer uma marcha do Hospital Prisão de S. Paulo à sede da União dos Escritores Angolanos, um acto simbólico em defesa do direito à liberdade de expressão, pois, foram acusados e condenados por prática de actos preparatórios de crimes de rebelião, atentado contra o Presidente da República e outros órgãos de soberania e, ultimamente de constituição de uma associação de malfeitores, por terem sido detidos em flagrante delito a lerem um livro.

“O país tem inúmeros doutores e professores doutores analfabetos”

F8 – Acredita que a prisão e condenação dos jovens por estarem a ler dois livros, é uma clara mensagem do regime estar a promover o analfabetismo, para melhor reinar?

LN – A detenção, a prisão e condenação de que foram alvos os “Revús” não constituiu apenas uma clara mensagem do regime em promover o analfabetismo funcional, pois, o país tem inúmeros doutores e professores doutores analfabetos, mas sobretudo representou e ainda representa uma tentativa de concretização do seu projecto de enterrar todas as liberdades inscritas na presente Constituição, designadamente, o direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento através da palavra, o direito de se informar, de ser informado e de informar; o direito à liberdade de criação cultural, artística, intelectual e científica, aí se incluindo o direito de escrever, de ler e divulgar a obra científica, literária e artística.

F8 – Sinceramente, sem medo de retaliação, o que acha da actuação do juiz Januário José, em todo este processo?

LN – Estou plenamente de acordo com a afirmação de alguns advogados, que nem sequer fizeram parte do lote dos advogados de defesa do processo, de que o Meritíssimo Juiz Januário José prestou um péssimo serviço à Justiça. Podia desempenhar o papel que desempenhou, como instrutor do processo, quiçá, como representante do Ministério Público, mas jamais como Juiz, pois, no exercício das suas funções, neste processo, ele não foi independente, não foi imparcial, não obedeceu à Constituição nem à lei, nem à Circular n.º 02/GAB.JCP/TS/!5, de 6 de Novembro, do Tribunal Supremo, versada sobre o HABEAS CORPUS. Tendo a defesa requerido a providência extraordinária de HABEAS CORPUS, no dia 1 de Abril de 2016, o facto de o seu provimento ter sido dado apenas quase 3 (três) meses depois é da pura responsabilidade dele, juiz da causa, que o reteve ou o rejeitou.

“Os juízes, no exercício das suas funções devem ser independentes e devem apenas obediência à Constituição e à lei. Se pressionados, devem ter a hombridade de não obedecer ou de arranjar outra profissão”

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F8 – Acha que, muita da actuação do juiz, ao longo do julgamento, se deveu a pressão do SINFO e da Presidência da República, que tinha agentes e câmaras de televisão na sala?

LN – O Juiz pode sofrer muitas pressões, inclusive dos órgãos que refere. Mas, como já tive a oportunidade de afirmar, os juízes, no exercício das suas funções devem ser independentes e devem apenas obediência à Constituição e à lei. Se pressionados, devem ter a hombridade de não obedecer ou de arranjar outra profissão.

F8 – Um juiz pode comprometer a sua imagem, independência, reputação, violando o direito e a lei, apenas para defender o tacho e ser promovido?

LN – A defesa do tacho e do pão podem e devem os juízes fazê-lo através do direito de associação socioprofissional reconhecido constitucionalmente aos juízes.

F8 – A comunidade nacional e internacional tem condenado como nunca o sistema de justiça angolano, principalmente a actuação dos tribunais comuns. Porque será?

LN – Na minha modesta opinião, a condenação do sistema de justiça Angolano, quer interna, quer externamente, deve-se à sua perversidade. Muitos dos principais factos criminosos, como a grande corrupção, nepotismo, assalto descarado ao erário público praticado por gestores públicos e não só, passam ao lado dos tribunais. Alguém se lembra de quem foi condenado no caso dos “ Triliões”? Ora, esses factos não se colocam ao nosso sistema de justiça com a acuidade que deveria ser feita. Os factos mais relevantes que se colocam ao sistema de justiça, para além dos homicídios, pequenos furtos e roubos, são os factos ligados aos exercícios dos direitos cívicos e políticos. Por exemplo, os caos de esbulhos de terrenos de tão frequentes nem sequer passam pelos tribunais.

“O Meritíssimo Juiz Januário José Domingos, proferiu um mau Acórdão e prestou um péssimo serviço à justiça”

F8 – Na sua opinião os juízes dos tribunais comuns devem julgar e condenar, sem preocupação alguma de fazer justiça, para depois o Tribunal Supremo corrigir as suas borradas de flagrante desconhecimento e violação das leis?

LN – Embora os juízes não sejam responsáveis pelas decisões que proferem no exercício das suas funções, essa irresponsabilidade não é absoluta, tem restrições que a lei impõe. Tanto assim é, que existe um Conselho Superior da Magistratura Judicial, como órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial a quem compete entre outras atribuições, apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre os juízes. De facto, não basta que os Tribunais Supremo e Constitucional apareçam a corrigir as injustiças dos tribunais da primeira instância, muitas vezes com intervenções muito tardias, em relação às decisões iniciais. Urge que os casos flagrantes de injustiças por desconhecimento, violações às leis e por cumprimento às ordens superiores, praticados por juízes, sejam submetidos ao crivo do Conselho Superior da Magistratura judicial, que deveria, inclusive, inibir muitos desses juízes do exercício da profissão.

F8 – A interpretação desta forma da aplicação da lei, na sua opinião, significa justiça ou arrogância judicial?

LN – Em meu entender significa cumprimento da lei. “Dura lex sed lex”.

F8 – A libertação provisória com o Habeas Corpus é apenas uma fase processual. Acredita que o Tribunal Supremo não se vai desviar da isenção, imparcialidade e interpretação correcta da lei, quando estiver em sede de analisar o recurso interposto, sobre a condenação, deste jovens presos políticos 15+2?

LN – Apesar das decisões dos Tribunais serem de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas, o meu crédito ou descrédito nas decisões do Tribunal Supremo são em função das decisões concretas que este toma. É em função da decisão que o Tribunal Supremo tomar que posso aferir da sua idoneidade e justiça. Portanto, no caso em apreço apenas terei que esperar pelo Acórdão do Tribunal Supremo.

F8 – Esta não é uma pergunta normal, mas a sua resposta leva-nos a ousadia de pedir-lhe que analise e classifique a actuação do juiz e Ministério Público, neste burilado processo?

LN – Como já tive a oportunidade de dizer, o Tribunal da causa, sob presidência do Meritíssimo Juiz Januário José Domingos, proferiu um mau Acórdão e prestou um péssimo serviço à justiça. O Tribunal foi parcial, prejudicou o direito de defesa dos Réus e não desempenhou nem a sua missão, nem a sua vocação, mas a missão e vocação do Ministério Público, outra parte do Processo a par da dos Réus. Como se não bastasse deu-se ao desplante de não se pronunciar sobre a providência extraordinária de Habeas Corpus apresentada pela Defesa, nem a remeter ao Venerando Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, retendo ou rejeitando a referida providência, e fazendo com que a providência extraordinária de Habeas Corpus referida e apresentada no Tribunal da causa no dia 1 de Abril de 2016 dessa entrada na 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo por culpa sua apenas no dia 24 de Junho de 2016, 84 (oitenta e quatro) dias depois, privando os Réus da liberdade merecida.

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F8 – Os microfones do F8, reservam-lhe a sua livre opinião, final.

LN – Agradeço ao Folha 8, em nome de todos os órgãos de comunicação social, por me ter convidado para esta entrevista que espero possa transmitir a todos os leitores a opinião de um dos defensores das vítimas do processo 15+2. Aproveito o ensejo para agradecer a todas as angolanas e angolanos que através dos advogados de defesa têm manifestado o seu apoio e solidariedade para com a situação difícil em que vivem os Revús, bem como agradecer efusivamente todos os advogados que de uma forma directa ou indirecta têm prestado a sua contribuição, fazendo que um processo deste jaez, político, não se transforme numa farsa descarada que apenas alguns advogados corajosos aceitam enfrentar, muitas vezes inutilmente, o Tribunal.

Legenda: Os advogados de Defesa, David Mendes, Miguel Francisco “Michel”, Luís Nascimento e Walter Tondela

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