Globalização “derrotou” tributação fiscal

As leis fiscais não acompanharam, na mesma velocidade e com o mesmo vigor, as mudanças impostas pela globalização. Reestruturações empresariais e a expansão das economias digitais criaram significativos distanciamentos e desajustamentos das leis fiscais em relação à nova realidade mundial.

Por Alexandre Fadel, Antonio Sepúlveda e Igor De Lazari (*)

Diante do desfasado arsenal de que dispunham as Administrações Tributárias, grupos transnacionais, por meio de inventivos planeamentos fiscais, reduziram drasticamente os seus custos tributários.

Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (Base Erosion and Profit Shifting – BEPS) é a expressão que se refere a estratégias de planeamentos fiscais que exploram esses distanciamentos e desajustamentos das regras fiscais para artificialmente deslocar lucros para jurisdições com baixa ou nenhuma tributação.

Diante desse cenário e após mais de dois anos de discussões que envolveram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – OCDE – e os países do G-20, como também mais de uma dúzia de países desenvolvidos, aprovou-se, ao final de 2015, o Projecto BEPS, que, em linhas gerais, estabeleceu 15 (quinze) acções-chave para adequar a estrutura fiscal internacional e garantir que relevantes informações – v.g., lucros – sejam reportadas à Administração Tributária competente. Com a aprovação do projecto BEPS, o foco voltou-se, então, para o desenho, a implementação e o apoio de estruturas de controle e monitoramento das medidas previstas no projecto.

Como parte dos contínuos esforços para aumentar a transparência de empreendimentos transfronteiriços, Brasil, Guernsey, Jersey, Ilha de Man e Letónia assinaram, no último dia 21 de Outubro, em Paris, Acordo Multilateral de Autoridades Competentes (MCAA) para o Common Reporting Standard (CRS).

Tal Acordo é suportado pela Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária (subscrita, por vários países, como por exemplo Portugal, Gana, Arábia Saudita e África do Sul) e reforça o compromisso dos países na execução do padrão global para o intercâmbio automático de informações financeiras para fins tributários, a ser implementado até Setembro de 2017. A marca alcançada representa um momento histórico na realização do pacote BEPS e um significativo avanço na cooperação fiscal internacional.

Na mesma data, o Brasil assinou o MCAA para o Country by Country (CbC), segundo modelo de intercâmbio automático de informações para fins tributários, por meio do qual grandes grupos multinacionais deverão encaminhar anualmente informações agregadas para as Administrações Tributárias de cada jurisdição em que mantenham negócios. Esse modelo também integra o Projecto BEPS da OCDE e representa significativo incremento na transparência, de modo a fornecer aos países signatários instrumentos de combate contra planeamentos fiscais considerados abusivos. Com a subscrição dessa convenção, as Administrações Tributárias (v.g., Nigéria, Senegal e África do Sul) passam a ter acesso a informações sobre contribuintes, inclusive dados financeiros, de outras 49 (quarenta e nove) jurisdições e países signatários.

Praticamente, uma semana depois, foi a vez do Panamá firmar acordo perante a OCDE de modo a impulsionar a transparência e combater a evasão fiscal entre fronteiras. Esse pacto revela uma das frentes de trabalho para melhorar a reputação internacional após as duras críticas que enfrentou em razão do escândalo denominado Panama Papers.

Não foi à toa que o Secretário Geral da OCDE, Angel Gurría, fez questão de afirmar que “este acordo representa um claro sinal de que a comunidade internacional está unida em seus esforços para acabar com a evasão fiscal internacional. Vamos continuar com nossos esforços até que não reste nenhum lugar que sirva para ocultar recursos”. É indubitável que, nos últimos anos, o Panamá logrou significativos avanços nos níveis legal, regulatório, institucional e operativo, a fim de reforçar seu sistema financeiro, combater a lavagem de dinheiro, o contrabando, tráfico de drogas e práticas escusas de financiamento do terrorismo e de armas. Tais avanços permitiram inclusive que o país fosse excluído da lista negra do Grupo de Acção Financeira Internacional.

A celebração de Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária para troca de informações de interesse fiscal permitirá consistente e célere implementação do novo padrão de comunicação de informações afectas, por exemplo, a preços de transferência desenvolvido pelo plano de acção BEPS, com o fito de assegurar que as Administrações Tributárias obtenham completa compreensão das estruturas das operações desenvolvidas por empreendimentos transnacionais.

Os informes intercambiados entre as Administrações Tributárias requererão que as multinacionais forneçam às autoridades fiscais das jurisdições em que operam informações agregadas, relatando as receitas, lucros, despesas, número de empregados contratados, títulos, capital investido e tributos pagos. Cobrirá também informação sobre as entidades que se relacionam empresarialmente em determinada jurisdição e as actividades comerciais que cada entidade está engajada. Se, por um lado, relatórios anuais serão fornecidos às Administrações Tributárias, munindo-as de preciosas informações, a estas caberá garantir o sigilo das informações permutadas.

Como se vê, Administrações Tributárias crescentemente se mobilizam e passam a possuir maior quantidade e melhores informações, inclusive advindas de países considerados de tributação favorecida ou de regimes fiscais privilegiados. A melhor compreensão dos empreendimentos transnacionais e o novo arsenal que as Administrações Tributárias passam a deter explicam o porquê do relativo sucesso de boa parte dos programas de repatriamento lançados nos últimos meses, inclusive o brasileiro.

(*) Alexandre Fadel (professor e mestre em Direito/UFRJ), Antonio Sepulveda (professor e doutorando em Direito/UERJ) e Igor de Lazari (mestrando em Direito/UFRJ) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – Letaci/PPGD/UFRJ.

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