FLEC/FAC tem novo líder. A luta, essa continua

Emmanuel Nzita, filho de Nzita Tiago, que faleceu a 3 deste mês, foi eleito presidente da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda/Forças Armadas de Cabinda (FLEC/FAC) pelo Alto Comando Militar do movimento, disse hoje fonte oficial.

O porta-voz da FLEC/FAC, Jean-Claude Nzita, disse, a partir de Paris, que a decisão foi tomada numa reunião daquele órgão do movimento que luta desde 1963 pela independência do enclave de Cabinda, primeiro contra o regime colonial português e, depois da independência, contra Angola que é considerada potência ocupante.

“Para se prosseguir com a obra deixada pelo presidente da FLEC, o Alto Comando Militar e o Bureau Político escolheram Emmanuel Nzita”, até agora secretário-geral do movimento, sublinhou o porta-voz.

Emmanuel Nzita wa Nzita nasceu no exílio na RD Congo a 24 de Abril de 1955 (61 anos) e, antes de chegar a secretário-geral, foi encarregado da diplomacia da FLEC/FAC em Kinshasa, na RD Congo.

Jean-Claude Nzita confirmou, por outro lado, que a direcção interina da FLEC/FAC já comunicou as instruções aos militares no terreno para um cessar-fogo unilateral de três meses, nomeadamente ao comandante Sem Medo, chefe operacional das Forças Armadas de Cabinda (FAC), braço armado da FLEC.

Segundo o porta-voz do movimento, os membros da direcção da FLEC/FAC presentes em Cabinda já apelaram à população local para se manter tranquila.

“Apesar da morte do presidente Nzita Henriques Tiago (nasceu a 14 de Julho de 1927 em Mboma Lubinda, em Cabinda, território anexado por Angola e que faz fronteira com os dois Congos), os nossos objectivos e determinação continuam rumo à independência de Cabinda. Não estamos enfraquecidos”, disse Jean-Claude Nzita.

“Respeitando o legado politico e militar transmitido por Nzita Henriques Tiago prestamos fidelidade e depositamos total confiança no presidente Emmanuel Nzita wa Nzita”, acrescentou.

Nzita Henriques Tiago, 88 anos, faleceu a 3 deste mês em Paris, vítima de doença prolongada, e o funeral realiza-se sexta-feira na capital francesa, no mesmo dia em que o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, está de visita à capital francesa.

Questionado sobre se a marcação do funeral para o mesmo dia da visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Paris é uma coincidência ou propositado, Jean-Claude Nzita respondeu que não tinha conhecimento da deslocação.

A FLEC luta pela independência de Cabinda, alegando que o enclave era e continua a ser à luz do Direito Internacional um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e por isso nunca foi parte integrante do território angolano.

Criada em 1963, a organização independentista dividiu-se e multiplicou-se em diferentes facções, efémeras, com a FLEC/FAC a manter-se como o único movimento que mantém a resistência armada contra a administração de Luanda.

A FLEC foi criada oficialmente num congresso que se realizou de 2 a 4 de agosto de 1963, muito antes da independência de Angola. A cidade de Ponta Negra, no Congo Brazzaville, foi o berço da sigla que se viria a tornar famosa.

A FLEC resultou da fusão de três organizações: o Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC), de Luís Ranque Franque, Comité de Acção da União Nacional de Cabinda (CAUNC), de Nzita Tiago e a Aliança Nacional Mayombe (ALLIAMA), de António Sozinho.

Luís Ranque Franque assume a presidência da FLEC, António Sozinho é eleito secretário-geral e Nzita é vice-presidente e é ele próprio quem abre o escritório do movimento em Cabinda, antes da independência de Angola (11 de Novembro de 1975).

No final da década de 1970, a FLEC dividiu-se em várias facções. Além da FLEC-Nzita, surgem a FLEC-Ranque Franque e a FLEC-Lubota, líderes históricos entretanto falecidos.

A multiplicação continua nos anos seguintes com a FLEC-FAC, FLEC- Posição Militar, FLEC-Renovada, FLEC-Nova Visão, tendo Nzita Tiago desdramatizado sempre as divisões, alegando que muitas delas eram constituídas por um ou dois membros.

Actualmente, vivia em Paris, sem nunca ter aceitado o passaporte angolano ou o estatuto de exilado político de Angola. Era cidadão gabonês.

Protectorado português, colónia angolana

Os 500 anos de história colonial de Angola (1482-1975) ficam bem longe, apesar das teses oficiais vigentes na actualidade, dos 90 anos de ocupação do Protectorado Português de Cabinda (1885-1975). Embora com uma vertente comum – Portugal, a trajectória de vida de Cabinda e de Angola não têm praticamente pontos comuns.

Assim, no âmbito da Constituição portuguesa em vigor em 1974, são nações distintas e no caso de Cabinda ainda está por fazer a descolonização.

Por muito que isso custe também à UNITA, o seu fundador e primeiro presidente, morto em combate pelo MPLA em Fevereiro de 2002, Jonas Savimbi, reconheceu em várias intervenções públicas que Cabinda nunca fez parte integrante de Angola, nem antes, nem durante, nem depois da retirada do colonizador português.

Em oposição a esta corajosa declaração de Jonas Savimbi, surge o único suporte ao qual se agarra com unhas e dentes o regime angolano para justificar a sua apetência expansionista sobre Cabinda: o Acordo de Alvor.

Acordo de Alvor que permitiu a (in)dependência de Angola e a anexação por esta de Cabinda, representa, segundo disse o próprio Almeida Santos, um dos signatários, apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”.

Almeida Santos, tal como a restante equipa portuguesa, sabia à partida que o Acordo de Alvor só valeria se o MPLA não ficasse no Poder. Como ficou…

O dirigente socialista, que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenação Interterritorial e integrava a delegação portuguesa que assinou com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola (MPLA, FNLA e UNITA) o Acordo de Alvor, no Algarve, referiu que, assim que viu o documento, soube que “aquilo não resultaria”.

“Aquilo não resultaria”, como não resultou, porque Portugal viciou as regras do jogo no sentido de dar o Poder a uma das partes, o MPLA, sem esquecer que era necessário correr à força com os portugueses de Angola e depois, como defendia Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, entre outros, metê-los no Campo Pequeno já que – dizia Mário Soares – eram um fardo pesado.

“Do Acordo de Alvor sou apenas um escriba, não sou mais do que isso”, diz Almeida Santos (que foi Ministro da Coordenação Territorial em quatro governos provisórios, ministro da Comunicação Social, da Justiça, ministro de Estado, candidato a primeiro-ministro, presidente da Assembleia da República), mentindo mais uma vez ao dizer que Portugal não teve outra alternativa, senão assinar por baixo.

Se o Acordo de Alvor não serviu para nada, importa ter a mesma coerência no sentido de também o considerar inválido no que respeita à anexação de Cabinda por Angola.

Na véspera da proclamação das independências de Angola (em 11 de Novembro de 1975, uma em Luanda pelo MPLA e outra no Huambo pela UNITA e FNLA), tanto o primeiro-ministro como o presidente da República reconheceram que não tinham capacidade para controlar a situação, devendo esta constatação também contribuir para a anulação do Acordo de Alvor.

1 de Agosto

Éno primeiro dia de Agosto que os cidadãos do Protectorado Português de Cabinda comemoram a proclamação da independência do Estado Livre de Cabinda.

Foi nesse dia, em 1975, três meses antes da independência da República Popular de Angola (país que ocupa desde então Cabinda), que os cabindas começaram a sua difícil, mas não impossível, caminhada em prol dos seus direitos.

Desde então enfrentam dois grandes inimigos. Portugal que ao não honrar os seus até então solenes e nobres compromissos, se transformou num inimigo político, e Angola que é um inimigo militar que transformou Cabinda numa colónia onde, um pouco à semelhança do que faz no resto de Angola, vigora o princípio de que até prova em contrário todos são culpados.

Muitos se recordam mas poucos têm a liberdade de consciência para o dizer. É por isso que, um pouco por todo o lado – até mesmo em Portugal – os que se atrevem a defender a causa de Cabinda são também culpados… até prova em contrário.

Recorde-se que, a partir da revolução portuguesa de 1974, Cabinda entrou por direito próprio na agenda internacional, especialmente na da então OUA (Organização de Unidade Africana, hoje União Africana), onde a FLEC contava com o apoio de alguns países africanos (Uganda, Zaire, Gabão, etc.).

Perante o cenário juridicamente correcto, em face dos tratados assinados, de uma descolonização separada dos dois territórios (Angola e Cabinda), o presidente do MPLA, Agostinho Neto, desencadeou em 1974 uma actividade diplomática intensa para persuadir os líderes africanos a retirarem da agenda da cimeira da OUA o debate previsto sobre o problema de Cabinda.

Agostinho Neto apresentava, aliás, todas as garantias de que as autoridades comunistas portuguesas que dominavam o país iriam entregar exclusivamente ao MPLA os destinos de Angola, apresentando mesmo documentos nesse sentido subscritos pelos dirigentes do Movimento das Forças Armadas (MFA).

Com o apoio do Presidente congolês, Marien Ngouabi, Agostinho Neto conseguiu que fosse arquivado o dossier Cabinda (Cf. Memorandum – 4/07/75 – conversação entre Agostinho Neto e o Embaixador soviético no Congo, Afanasenko).

O mesmo se passou em relação ao Acordo de Alvor onde, com cumplicidade activa do Almirante Vermelho, Rosa Coutinho, Alto Comissário em Angola, bem como de outras figuras de destaque, caso de Almeida Santos, Agostinho Neto afastou a FLEC de qualquer discussão do caso de Cabinda, dando como adquirido que o protectorado português era parte de Angola.

Folha 8 com Lusa

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