Carta aberta a Rui Mangueira

“Senhor Rui Mangueira, Ministro de José Eduardo dos Santos. Quero informar, em primeiro lugar, que não o trato por Excelência, pelo facto de não lhe reconhecer tal valor, nem a si nem a quem lhe envia as “ordens superiores”.

Aos meus melhores professores catedráticos nunca os tratei desse modo e, na grande maioria dos casos, relacionei-me com eles usando o nome próprio e, nalguns casos, o seu diminutivo ou tratando-os por tu, sem que isso significasse desrespeito, antes pelo contrário, ainda hoje sinto por eles enorme reconhecimento e admiração.

Não sei se esse é motivo suficiente para me retirarem a cidadania. Não estou preocupado com isso porque tenho a consciência de que a minha cidadania transportei-a sempre comigo e é dos lugares de onde vim, onde estou e para onde vou, mesmo que não me ausente. Nunca serei órfão dos lugares onde estive e onde estou. Também sei que quem fica num só local, enraizando, tem dificuldade de movimentos e arrisca-se a ser devorado pelas labaredas das queimadas, abundantes nas paisagens de Angola na estação do Cacimbo e nos muitos planos de desenvolvimento económico e social, fracassados, que o MPLA implementou nas últimas quatro décadas.

O Rui Mangueira é Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos.

Na nossa passagem por Washinghton DC e New York lembrámo-nos de si. O senhor, de vez em quando, anda por essas bandas a propagandear o seu elevado esforço e sacrifício na tentativa de honrar o nome do ministério que ocupa: Justiça e Direitos Humanos.

Nós sabemos que esse universo é muito vasto e possibilita a gestação de demasiados sofismas e ambiguidades. Nós, que também andámos ligados à música, percebemos perfeitamente que um lamiré não é uma sinfonia e que música que o governo angolano oferece está, demasiadas vezes, desafinada. Daí o facto de o país estar à beira de mais um resgate, económico, do FMI, ficando o resgate social adiado para o dia de São Nunca. Só desejamos que essa patologia não se torne moda, crónica, para o bem dos angolanos das diferentes gerações e dos vários estratos da pirâmide socioeconómica.

O Rui Mangueira, que afirma lutar pela defesa dos Direitos Humanos, ainda se deve lembrar do caso Rodney King, na Califórnia. Um afro-americano, taxista, que foi perseguido e violentamente espancado por patrulheiros do Departamento de Polícia de Los Angels, como aqueles que abundam em Angola. O Rui ainda se lembra das consequências que esse tipo de repressão gerou? O Mangueira sabe o que aconteceu aos patrulheiros? Foram condenados pela Justiça! Sabe da multimilionária indemnização que o Mr. King recebeu pelos danos, apesar de não reparar todos os traumas físicos e psicológicos causados?

Nós sabemos que o sistema judicial americano não é perfeito. Uma virtude que ele possui é a de não ser matumbo e sanzaleiro. Os julgamentos nos tribunais são abertos às pessoas e, várias vezes, transmitidos em directo por canais de televisão. Os espectadores não são escolhidos por quem emana “ordens superiores”. Nós somos contra a pena de morte, ainda em vigor nalguns Estados dos EUA. Do mesmo modo que somos contra a pena de morte lenta, em vigor nas cadeias e ruas de Angola onde, segundo relatos fidedignos, a desumanidade é uma norma, para não dizer Lei.

Nós sabemos que o grande problema do Reigime a que pertence não reside na impossibilidade de ver mas sim na cobardia de não querer ou fingir não ver muitas ocorrências que mancham a dignidade do cargo que o Rui Mangueira diz desempenhar.

É este o assunto que nos traz hoje ao teclado do computador, o facto de, em New York e em Washington DC, termo-nos lembrado de si, de alguém que em Angola diz lutar pelos valores que norteiam a Justiça e os Direitos Humanos, e da cidadã angolana Laurinda Gouveia.

Nós sabemos que a “Nossa Senhora Mania das Virtudes”, o Reigime de José Eduardo dos Santos, acusou, com uma ecolália doentia, fanática, os dos movimentos da oposição de todas as atrocidades outrora cometidas. Agora não vale a pena discutir, aqui, o facto de o MPLA ter iniciado a guerra civil em Angola e ser o responsável por muitas centenas de milhar de mortos, nas purgas internas no partido, e em co-autoria nessas guerras.

Aqui está um assunto que deveria merecer a atenção do Rui Mangueira para que termine, definitivamente, o luto nacional, provocado por esses acontecimentos. Hoje em dia, as atrocidades que o Reigime comete em Angola já não podem ser, num método que a psicologia designa por agressão deslocada, imputadas à oposição ou aos “bandidos ao serviço do Imperialismo Capitalista”.

O Rui deve ter sido informado que que o “Porcariador” Geral da Reipública, auxiliado pelo Ministro do “Interror” de Angola, cumprindo “ordens superiores”, mandou prender a cidadã Laurinda Gouveia. O juiz que emitiu e assinou essa decisão só desempenhou o papel de figurante na tragicomédia. O Mangueira também deve ter sido informado de que esta cidadã angolana, muito tempo antes de o Reigime ter tomado essa decisão ridícula e ter “baixado” ordens, foi violentamente espancada por patrulheiros que, também eles, cumprem “ordens superiores”. Esse facto está largamente documentado, com evidência de total credibilidade. A questão que lhe desejaríamos endereçar é a seguinte: por onde anda e andou o Rui Mangueira, o que se apresenta como Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, o que em Nova York ou em Washingtom DC, faz discursos de “lana caprina”, afirmando estar a planear para implementar e depois avaliar para voltar a planear, implementar…?

Nós também poderíamos questionar, no caso da Laurinda, onde esteve e está a, tão dispendiosa para o país, OMA – Organização da Mulher Angolana (só do MPLA), na obrigação de manifestar-se contra o desrespeito dos Direitos Humanos, em geral, e os dos direitos desta Mulher, em particular?

Todos nós sabemos que a credibilidade da OMA tem a sua sede numa sarjeta, porque essa organização feminina é estrategicamente chefiada por elementos do sexo masculino, sendo presidente desta instituição o mesmo que há quase quatro décadas se encontra enraizado, a esclerosar-se, na chefia do governo da Reipública de Angola.

O Rui Mangueira acha que, nos próximos Dias da Mulher, os elementos da governação e, em especial, de quem emanam as “ordens superiores” vão continuar a enviar flores às suas subalternas da OMA e esposas, várias ex-esposas e amantes?

Não seria melhor e mais coerente, antes que essa hipocrisia volte a ocorrer, restituírem a Liberdade à Laurinda Gouveia e aos seus companheiros, os que, estupidamente, o “Porcariador” Geral da Reipública e o Ministro do “Interror” enviaram para a cadeia, cumprindo “ordens superiores”?

O Rui Mangueira tem o mínimo de honestidade e hombridade para dedicar a atenção que merecem as agressões físicas e psicológicas a que foram e estão a ser sujeitos a Laurinda e os seus companheiros e tentar reparar os danos físicos, morais e psicológicos causados, como aconteceu com o Rodney King?

Nós sabemos que o Ministro da Justiça e dos Direitos humanos não poderá ressuscitar os mortos causados pelo MPLA e por outras organizações políticas, no período após a independência. O que o povo angolano deseja é que o governo deixe de cometer crimes contra a humanidade ou seja conivente com a criminalidade e que termine o luto nacional, há muitas décadas entranhado na cultura dos angolanos.

Os angolanos devem ter orgulho nos seus dirigentes políticos. Até ao momento, eles só promoveram o nosso sentimento de nojo e de desconfiança.

O Rui Mangueira quer demonstrar que pretende ser verdadeiramente Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos? Ou vai continuar a vestir esse disfarce, usando demasiada maquilhagem, no que parece ser um desfile carnavalesco?

Nada contribui para a melhoria da sociedade alguém que compre um diploma de médico e não tenha conhecimento para exercer medicina, ou um denominado grande empresário que apenas promova a falência de empresas.

Com os meus melhores cumprimentos,

Domingos Kambunji

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One Thought to “Carta aberta a Rui Mangueira”

  1. Tchokwe

    Domingos Kambunji tem razão ! O nome escolhido para o Ministério (da “Justiça e dos Direitos Humanos” !) parece ser não mais que uma provocação gratuita aos milhões de Angolanos que, 40 anos após a Dipanda, continuam deserdados no presente … e nem sequer perspectivam qualquer futuro para si ou para os seus filhos e netos, a não ser a opressão (com “férias” periódicas no sistema carcerário nacional) e a miséria ! … Apetece-me perguntar, às Excelências deste País, se por acaso pensam que todos os Angolanos são matumbos ? … Fica aqui a pergunta !

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