A política do lixo, da confusão e da intriga

Há 12 anos atrás, a Presidência da República mobilizou homens e meios seus para intervir directamente na recolha do lixo em Luanda. Agora, o novo governador, general Higino Carneiro, cria um comando especial para combater o lixo na capital. Há um elemento comum nas duas estratégias: o governador é o mesmo.

Por Rafael Marques de Morais (*)

B astaria um governador competente e honesto, com autonomia de gestão e os fundos necessários, para acabar com a calamidade que é a grande lixeira em que se transformou a periferia de Luanda. É o que falta.

Muitos cidadãos continuam a acreditar, de boa-fé, que a mudança de governador se traduzirá em mudanças estruturais para a cidade. Mas há um historial que demonstra o contrário.

Em 2004, o general Higino Carneiro coordenava a Comissão de Gestão de Luanda, em triunvirato com António “Toninho” Van-Dúnem e Job Capapinha. A acumulação de lixo na capital também era então uma calamidade, e o presidente José Eduardo dos Santos criou a Brigada Especial de Limpeza (BEL), com centenas de desmobilizados da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), para limpar a cidade.

Nessa altura, por exemplo, o chefe da Casa Militar (actual Casa de Segurança) do Presidente da República, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, sobrepunha-se ao governo provincial e assinava também contratos de prestação de serviços relacionados com a limpeza da cidade.

Para o efeito, assinou, a 19 de Abril de 2004, com a empresa cubana Antex, o “Contrato de prestação de serviços de assistência técnica ao saneamento integral de Luanda” sob nº 03.001.04, com a vigência de um ano e meio.

Tratava-se de “assistência técnica ao controlo de vectores, em tarefas de supervisão para a limpeza, saneamento, obras de engenharia sanitárias e capacitação, no apoio à melhoria da saúde pública, a implementar na província de Luanda” prestada à BEL, por US $1.2 milhão.

Apesar de o contrato ter sido assinado pela Presidência, o pagamento cabia ao governo provincial. Através da comunicação DCC/DINC/521/2004, de 3 de Setembro de 2004, o Banco Nacional de Angola (BNA) exigiu outro procedimento ao Banco Angolano de Investimentos (BAI), para certificação da transferência bancária para o exterior do país, a favor da Antex. “Tendo em atenção que o referido contrato não vincula o GPL juridicamente, solicitamos que comuniquem o vosso cliente para remeterem uma adenda em que a contratante ‘Casa Militar do Presidente da República de Angola – BEL’ delegue poderes ao Governo da Província de Luanda para executar financeiramente o mesmo”.

Através da comunicação 2469/Gab.Coord./2004, a 24 de Setembro de 2004, o general Higino Carneiro limitou-se a remeter o documento do BNA para a Presidência, ficando a aguardar instruções.

No mesmo dia 19 de Abril de 2004, foi assinado um segundo contrato (nº 1-2004) para a aquisição de produtos biológicos e químicos destinados ao programa de saneamento integral de limpeza. Desta vez, o contrato, no valor de US $3.5 milhões, era assinado entre o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” (em nome da “Casa Militar do Presidente da República – BEL”) e uma outra empresa cubana, a Imbondex.

Sobre este contrato, coube a Job Capapinha, o terceiro membro da comissão de gestão, fazer a seguinte observação, a 24 de Abril de 2004: “Na verdade, este contrato traduz interesses das partes e não nos engaja. Interessa-nos o próximo contrato (eles e nós) ou (dois, nós e quem?) Para quando esse contrato?” Não se percebe o que Capapinha quis dizer com o interesse sobre “o próximo contrato” e “eles e nós”, “dois, nós e quem”. Poderia estar a referir-se aos homens do presidente ou aos cubanos.

Para quando?

Bastaria a José Eduardo dos Santos ter dado as instruções que bem entendesse a Toninho Van-Dúnem, que na altura acumulava com a função de secretário do Conselho de Ministros, órgão colegial auxiliar do presidente. Toninho Van-Dúnem era um dos homens fortes do presidente.

Mas a verdade é que estes são traços típicos da actuação do presidente: criar confusão, sobrepor funções e autoridade para melhor subjugar mesmo aqueles que lhe são mais leais.

Foi com base na gestão da intriga que, em 2011, José Eduardo dos Santos criou o cargo de presidente da Comissão Administrativa da Cidade de Luanda e nomeou o seu amigo general José Tavares Ferreira para o ocupar, até à data. Poucos sabem ao certo qual é o verdadeiro papel do general Tavares, que, na prática, age também como governador de Luanda. Ou melhor, o general é mais conhecido por destratar os funcionários e indivíduos que, por lapso, não se dirijam a ele como “presidente Tavares”. Enquanto presidente de Luanda, está acima do governador.

O governador tem autonomia para encher os bolsos, mas não para gerir a cidade para o bem comum. O presidente é o governador-geral. A diferença entre 2004 e 2016 está no facto de o chefe ter delegado os seus poderes à filha, que colocou como governadora-geral.

Luanda tem dois problemas maiores do que a calamidade do lixo: o presidente e a complacência dos munícipes, que preferem ser enterrados pelo acumular do lixo e suas consequências para a saúde pública do que exprimirem a força do seu descontentamento.

(*) MakaAngola

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