Os vários actos de um julgamento da farsa

O julgamento inquisitorial do regime eduardista contra os inocentes jovens presos políticos 15+1, iniciado no dia 16.11, prossegue, mas teve actos dignos de registo, no início que passaremos a descrever.

O Governo, como aqui se demonstra, escreve o que não cumpre e manda cumprir o que não escreve. É a desesperada tentativa de encontrar e forjar provas, custe o que custar.

PRIMEIRO ACTO

A JMPLA (organização juvenil do partido no poder) numa acção “sui generis”, fez-se presente, pelos piores motivos, do lado exterior, para apoiar a manutenção carcerária dos jovens presos políticos 15+1, numa tresloucada manifestação, com o apoio e cobertura da Polícia Nacional do MPLA, que afastava à bastonada os jovens que apelavam por uma melhor justiça e independência do tribunal e juiz.

Com camisolas e escritos surrealista, onde diziam: “Portugal tira as mãos de Angola”, para justificar a bestialidade de uma política judicial inquisitorial, que ao invés de se retratar, quer encontrar culpados noutras latitudes. É o cúmulo, quando um regime mobiliza jovens, para “ulularem, ruidosamente” como se de uma matilha de mabecos se tratassem, a continuidade da prisão de outros jovens, cujo crime é a inocência.

SEGUNDO ACTO

O regime “eduardista” à boa maneira das mais abjectas ditaduras, mobilizou o que de melhor, em termos de intimidação bélica tem, colocando mais de 1500 agentes da Polícia e militares, com carros, jactos de água, brigada canina, nos arredores do tribunal, impedindo até os advogados da causa de se aproximarem ou entrarem com as respectivas viaturas, tendo de as deixar à mais de 500 a 1000 metros-

TERCEIRO ACTO

As empresas de telefonia móvel, não fossem todas das filhas do Presidente da República do MPLA; UNITEL e MOVICEL, numa clara invasão da privacidade, inclusive a própria “Constituição jessiana”, veja:
art.º 34.º (Inviolabilidade da correspondência e das comunicações)

“1. É inviolável o sigilo da correspondência e dos demais meios de comunicação privada, nomeadamente das comunicações postais, telegráficas, telefónicas e telemáticas.
2. Apenas por decisão de autoridade judicial competente proferida nos termos da lei, é permitida a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nos demais meios de comunicação privada”.

Ora ao terem bloqueado o sinal de todos os aparelhos celulares e telefones fixos da zona circundante e arredores ao tribunal, as empresas de telefonia, fizeram-no na presunção de impunidade, baseado no poder absoluto do papai. Mas, existe outra leitura, afinal, o regime tem um medo assustador, das vozes livres dos cidadãos, contrariando as teses públicas de separação de poderes e não interferência nos poderes judicial e legislativo.

Também não se poderia esperar outra coisa de um regime anti-democrático em que a riqueza está concentrada na mão de meia dúzia de cidadãos: filhos, esposa, irmãos, familiares, assessores, membros do seu partido, bajuladores internos e externos.

QUARTO ACTO

O interior da sala de julgamento estava apinhada de agentes dos serviços secretos e da investigação criminal do regime, num total de dois para cada um dos 17 arguidos, para monitorar cada movimento e, também, das pessoas não bajuladores ao regime, penalizando algumas famílias.

QUINTO ACTO

A abertura tardia e atabalhoada da sala do tribunal, teve como ponto de realce a insuficiência de cadeiras quer para os advogados, como para os familiares directos dos réus e assistentes, confrontados com a confusão da arrumação das pastas e outros pertences.

SEXTO ACTO

O dong de abertura da sessão bate às 11h00, mas com a colocação das questões prévias dos advogados de defesa, verifica-se um pequeno intervalo, reiniciando às 14 horas. Os presos políticos estavam postados com a humilhante farda castanha do regime, à moda colonial, pois houvesse imparcialidade e cada um deles viria com a sua própria roupa, para estarem conforme a Constituição:

art.º 31.º (Direito à integridade pessoal)

1. A integridade moral, intelectual e física das pessoas é inviolável.

2. O Estado respeita e protege a pessoa e a dignidade humanas”.
Ora, este Governo escreve o que não cumpre e manda cumprir o que não escreve. Vergonha. Mas, ainda assim diz o art.º 32.º da CRA:

“1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserve de intimidade da vida privada e familiar”.

Hoje a farda dos presos não pode ser uma imposição geral, pois em democracia, só dela fazem recurso, quem não tenha condições de outra vestimenta. Não é o caso.

SÉTIMO ACTO

O juiz Januário José Domingos chama (às 14h00) o réu Nito Alves, para não só escancarar as hostilidades, contra os jovens presos políticos, acusados de um crime inexistente, fruto da fértil perturbação mental do regime, como, também, mostrar a tendência parcial do tribunal e do julgamento. Uma bateria de perguntas, na maioria cavilosas, contrárias ao posicionamento imparcial a que um juiz deve ter.

OITAVO ACTO

O jovem preso político, no pedestal da sua juventude (19 anos), com uma calma surpreendente, foi desmontando as questões do juiz, que se substituía ao Ministério Público, porquanto a maioria, das suas perguntas, eram marginais ao processo. Quer dizer, não constam da acusação, constando apenas no imaginário do juiz e dos comités de especialidade.

“Não poderíamos esperar outra coisa, porquanto o juiz Januário José Domingos é membro da Segurança de Estado, tanto que antes de ser magistrado esteve ligado a DNIC (Direcção Nacional de Investigação Criminal) logo esta inquisição é normal, pois anormal seria a sua neutralidade, quando ele, quer subir, precisando de apresentar serviço, ao chefe do regime, não se importando em condenar inocentes, para benefício pessoal”, disse um advogado que acompanhou a sessão.

NONO ACTO

A cereja no cimo do bolo, do juiz inquisidor, foi a apresentação de um relatório, produzido pelos SIC (Serviços de Investigação Criminal). “Desconheço este relatório e o que nele está escrito, não me vincula”, respondeu com serenidade Nito Alves, ao que inconformado o juiz continuou, tentando obter algum comprometimento do réu. E eis que o jovem preso político, que amedronta o regime, questiona o juiz, sobre se o mesmo (relatório) estaria por ele assinado: “não!”, responde o magistrado. Mais grave, nem por Nito Alves, nem pelo investigador, logo é um documento processual apócrifo, que deveria envergonhar o próprio juiz.

DÉCIMO ACTO

Como atrás nos referimos, a maioria das questões colocadas no dia 16.11.15, pelo juiz Domingos José Januário, não constam sequer da acusação do Ministério Público, numa clara demonstração de substituição extemporânea e ilegal.

Ainda assim, Nito Alves saiu-se muito bem, respondendo nos marcos da Constituição vigente e assumindo que ler e pretender alternância, em democracia não pode ser crime, salvo se estivermos diante de uma ditadura. Mais, que nunca visaram nenhum protesto armado e de confusão. E a existir essa só pode repousar na mente perturbada do regime.

DÉCIMO PRIMEIRO ACTO

As horas avolumavam-se e o juiz impávido e sereno não via o esforço do réu estar, mais de três horas a responder e de pé, como se o quisesse quebrar, mentalmente, pelo cansaço. Nesta esquina, não havendo sinais de o juiz pretender finalizar o interrogatório, emerge o “requerimento” do advogado de defesa, Dr. David Mendes evocando razões de direito, solicitando “Meritíssimo juiz a interrupção da sessão, não só pelo adiantado da hora, como do cansaço do meu cliente”, eram já 17h25. O juiz anuiu e com bom senso deu por encerrada a sessão.

DÉCIMO SEGUNDO ACTO

Está em causa nesta tresloucada acusação: ACTOS PREPARATÓRIOS, que mantém no cárcere 15+1 jovens presos políticos, por estarem a ler, numa Livraria Pública, com incessante movimento de pessoas, dois livros, um do escritor americano Gene Sharp: “Da Ditadura à Democracia” e outro do jornalista do Folha 8, Domingos da Cruz: “Ferramentas para destruir o Ditador e evitar nova Ditadura”.

Essas obras apavoram o regime, tendo como escopo a Primavera Árabe, em função do despertar das mentes de contestação da sociedade, face a política ditatorial, que anda em sentido contrário a democracia postulada, inclusive, na “Constituição Jessiana”.

DÉCIMO TERCEIRO ACTO

O arguido, tal como os demais, são acusados de terem cometido um crime de ACTOS PREPARATÓRIOS, previsto e punível pela conjugação dos artigos 21.º, n.º 1, 23.º, n.º 1 e 28.º, todos da Lei n.º 23/10, de 03 de Dezembro, Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado:
art. 21.º (Rebelião)

“1. Quem, por meio ilícito, executar qualquer acto tendente a, directa ou indirectamente, alterar, no todo ou em parte, a Constituição da República de Angola e subverter as instituições do Estado por ela estabelecidos, é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição penal”:

art.º 23.º (Atentado contra o Presidente da República ou outros membros de órgãos de soberania)

“1.Quem perpetrar um ataque contra a vida ou a integridade física do Presidente da República de Angola por causa do exercício das suas funções, é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos, se pena mais grave lhe não for aplicável por força de outra disposição penal”;

art.º 28.º (Actos preparatórios)

“1. São punidos com pena de prisão até 3 anos ou com a multa até 360 dias os actos preparatórios dos crimes previstos nos artigos 7.º a 10.º, 12.º, 13.º, 15.º, 17.º e 21.º a 23.º.

DÉCIMO QUARTO ACTO

Ora, como se verificam as normas integradoras dos artigos 21.º, 23.º e 28.º, caracterizam-se como institutos penais incertos ou “ab alibis”, porquanto, elas devem ser vistas como Direito penal e não lei penal, esta última que integra o ilícito, pois o texto (art.º21.º) “executar qualquer acto”; ou ainda (art.º23.º) “quem perpetrar um ataque contra a vida ou a integridade física do Presidente da República de Angola por causa do exercício das suas funções”; e (art.º 28.º) “são punidos com pena de prisão até 3 anos”, são normas generalista (é direito penal), os dois primeiros, não especificam os factos integradores do tipo legal de crime e o último lei penal difusa, pois não integra norma anterior definidora.

DÉCIMO QUINTO ACTO

Ademais as normas evocadas não fixam a tipologia da acção ou omissões puníveis, significando ser difícil perceber, no que toca a acção de leitura onde estão os elementos constitutivos dos crimes de Rebelião e Atentado a vida do Presidente da República.

Encerramos desta feita o resumo da primeira sessão de julgamento e o letmotiv acusatório contra os 15+1 jovens presos políticos, do dia 16 de Novembro de 2015.

Artigos Relacionados

Leave a Comment