É fartar vilanagem!

É fartar vilanagem! - Folha 8

Perto de 28 milhões de pessoas da CPLP são desnutridas, sendo Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste os países mais problemáticos, com 44%, 37%, 31% e 23% da taxa de desnutrição, respectivamente. E, como se sabe, com excepção de Angola, todos os outros países referidos são ricos, muito ricos…

Por Orlando Castro

“N ão basta aprovar leis e estratégias. É preciso ir ao cerne do problema. É preciso produzirmos comida suficiente para alimentar os nossos povos”, dizia em 2012 a directora da organização moçambicana Mulher Género e Desenvolvimento (MuGeDe), Saquina Mucavele, falando em nome da Rede de Organizações para Soberania Alimentar (ROSA).

Tem razão. Mas, é claro, é preciso dar tempo ao tempo e compreender que no caso de Angola, por exemplo, o MPLA só está no poder desde 1975, que o país só está em paz total há 13 anos, e que o presidente da República só está no cargo – sem nunca ter sido nominalmente eleito – desde 1979.

Ora, para que deixem de existir cerca de 70% de pobres em Angola é preciso que o MPLA se mantenha no poder aí durante mais uns 30 anos.

Saquina Mucavele disse também que a segurança alimentar e nutricional depende, em larga medida, de investimentos na agricultura, particularmente nos países pobres, onde a produção de alimentos ainda é muito baixa, apelando aos governos para alocarem mais investimentos para a produção de comida.

Essa recomendação, como é óbvio, não tinha nem tem cabimento em Angola. As preocupações do regime estão viradas para outras latitudes. Aliás, o povo pode muito bem alimentar-se da mandioca que encontre nas lavras ou de farelo.

Por sua vez a Coordenadora da Organização Mundial da Agricultura e Alimentação (FAO) para o direito à Alimentação, Bárbara Ekwall, disse na mesma altura que a questão que se coloca é que a produção mundial de comida aumentou nos últimos anos mas, paradoxalmente, há cada vez mais pessoas padecendo de fome.

Angola é um dos países lusófonos com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas.

Mas o que é que isso importa? Importante é saber de facto que a filha do presidente, Isabel dos Santos, soma e segue, mesmo quando se sabe que o regime é um dos mais corruptos do mundo. Ou será por isso mesmo?

Aliás, muitos dos angolanos que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente alimentar-se com o facto de a filha do presidente vitalício ser também dona dos antigos colonizadores.

O investimento público e o aumento da produção de petróleo (mesmo que roubado na colónia de Cabinda) vai permitir a Angola, ou seja ao regime, ou seja ao clã Eduardo dos Santos, continue, com ou sem crise, a aumentar o seu enorme pecúlio.

Os pobres também vão aumentar, mas esses não contam para as análises das impolutas instituições internacionais nem para as estatísticas dos países que têm relações submissas com Angola. O que conta é, agora e sempre, o poder económico de Angola.

Tudo, é claro, graças ao ouro negro. De facto, o petróleo representa mais de 50% do Produto Interno Bruto de Angola, 80% das receitas estatais e mais de 90% das exportações.

É claro que, segundo a bitola gerada pelo Ocidente, há bons e maus ditadores. Muammar Kadhafi passou a ser mau e Eduardo dos Santos continua a ser bom. Amanhã se verá.

Portugal continua de cócoras perante o regime de Luanda, tal como estava em relação a Muammar Kadhafi que, citando o ex-primeiro-ministro, hoje detido na cadeia de Évora, José Sócrates, era “um líder carismático”. Talvez um dia se chegue à conclusão que, afinal, Eduardo dos Santos também é um ditador. Não sei, contudo, se alguma vez alguém o vai dizer. Tudo porque, de dia para dia, o clã do presidente angolano torna-se dono das ocidentais praias lusitanas.

Alguém ainda se recorda, por exemplo, que em Março de 2009, no Palácio de Belém, em Lisboa, só dois jornalistas de cada país tiveram direito a colocar perguntas a Cavaco Silva e a Eduardo dos Santos?

Recordam-se que um deles, certamente no cumprimento da sua profissão mas, é claro, à revelia das regras dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco Silva sobre esse eufemismo a que se chama democracia em Angola?

Recordam-se que Cavaco Silva se limitou a… não responder?

Recordam-se que no dia 3 de Setembro de 2008, quando o mesmo Cavaco Silva falava na Polónia a propósito das eleições em Angola, disse o óbvio (uma das suas especialidades): “Desejo que as eleições ocorram com toda a paz, sem qualquer perturbação, justas e livres como costumam dizer as Nações Unidas nos processos eleitorais”?

Recordam-se que, nessa altura, como sempre, Cavaco Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de comunicação social portuguesa – SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido impedidos de entrar em Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos justas e livres?

Afinal, hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido, continua a pensar da mesma forma que José Sócrates, Passos Coelho ou Paulo Portas, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 70% dos angolanos na miséria.

De facto, os portugueses só estão mal informados sobre o que se passa em Angola porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.

Custa a crer, mas é verdade que os políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, excepções) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.

Alguém, pergunto eu, ouviu Cavaco Silva recordar que 70% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Não, ninguém pergunta até porque ele não responde.

Alguém o ouviu recordar que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém o ouviu recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?

Alguém o ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

Alguém o ouviu recordar que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?

Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?

Alguém alguma vez o ouvirá dizer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?

Alguém alguma vez o ouvirá dizer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir. E esse silêncio dará, obviamente, direito a ser convidado para passar férias na casa flutuante de Isabel dos Santos, a filha do presidente vitalício.

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2 Thoughts to “É fartar vilanagem!”

  1. da cruz

    O ZÉ RECO
    “Um reco, na festa inventiva de sílabas bem abertas dos linguajares tradicionais, é um porco. Atribuir nomes de animais às famílias das aldeias é um fenómeno tão antigo como os nossos 900 anos de vida portuguesa.
    Raramente se sabe a origem destes patronímicos, mas existe sempre uma. No tempo da I República, quando estudar a cultura popular estava na ordem do dia, publicaram-se vários tratados sobre o assunto, hoje quase todos levados pelo vento impiedoso da história.
    A família dos Recos ainda hoje existe na aldeia nortenha de Massada da Beira, a mesma que tem a família dos machos com direito a estátua e tudo.
    Os Recos não se fizeram estátua. Mantiveram-se mais modestos quanto ao seu destino onomástico.
    Foi no seio desta família discreta sobre as suas raízes que nasceu um menino chamado José Sócrates. Logicamente, para os habitantes, o menino Zé Reco.
    Mas então, se José Sócrates nasceu em Massada da Beira no seio da família dos Recos, porque é que insiste em dizer-nos que é da Covilhã ? Muito bem, poderá ter lá estudado, passado lá grande parte da sua infância, qualquer coisa. Mas quantas pessoas não são naturais de Moçambique, ou de Angola, e, devido ao caos da descolonização, só lá viveram aos 3 ou 4 anos ? Pode ter sido curto, mas foi onde nasceram. Sobre a sua origem, se forem rigorosas, dirão sempre que são de Moçambique ou de Angola. Da mesma forma, deveria Sócrates dizer-nos que é de Massada da Beira. A menos que a sua mãe tenha ido expressamente tê-lo à angola, seja por melhores serviços hospitalares, seja por medo daquela alcunha dos recos. Talvez a família, antevendo já um grande futuro político ao rapaz, não quisesse ver o Zé Reco no poder. Mas isto é tão piroso, é
    tão alimentador do cinzentismo em que vivemos. É tão desrespeitador da beleza da tradição oral. Este homem traz consigo uma coisa de que nem todos podem gabar-se, um passado suficientemente antigo para que algum acontecimento entretanto esquecido lhe tenha dado uma alcunha à família. É quase como um título de nobreza. E que faz ele ? Ora, varre-o para debaixo do tapete. E lá se vai o colorido que poderia ter trazido ao seu Governo”.

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