Árabes compram (apenas e só) 95% dos nossos diamantes

Os Emirados Árabes Unidos foram o principal destino da exportação diamantífera angolana em Julho, com uma quota de 95% dos 850.519 quilates de diamantes brutos vendidos por Angola. Por alguma razão atribuíram a José Eduardo dos Santos o prémio de boa governação Meafrica Award.

D e acordo com a informação do Ministério da Geologia e Minas, a exportação de diamantes por Angola rendeu em Julho mais de 113,5 milhões de dólares, uma quebra de quase 30% face ao mês de Junho, mas um aumento de 18% face ao mesmo mês de 2014.

Os Emirados Árabes Unidos foram o principal destino dos diamantes brutos vendidos por Angola, com 95% do total exportado em Julho, seguindo-se Hong Kong (3%), Israel (1%) e Bélgica (1%).

A produção angolana de diamantes cifrou-se, ainda no mesmo mês, em 865 mil quilates, avaliada em 115,4 milhões de dólares, traduzindo-se num aumento em termos de volume e de valor, respectivamente, de 15,6 e 24,2%.

“Este registo deveu-se, por um lado, ao aumento da produção da mina de Catoca, em 3,83%, por outro, à acumulação da comercialização dos diamantes da classe dos finos que normalmente ocorre de dois em dois meses”, explica a mesma informação do ministério da Geologia e Minas.

Depois do petróleo, os diamantes são o principal produto de exportação de Angola, país que está entre os cinco principais produtores mundiais.

Em todo o ano de 2014, Angola arrecadou cerca de 10 mil milhões de kwanzas só com impostos sobre a venda, no total, de 8,6 milhões de quilates, por 1.274 milhões de dólares.

Diamantes compram prémio para o Presidente

Apesar da crise (só para a esmagadora maioria, é óbvio) e de todos os índices e análises independentes relevarem o contrário, o Presidente da República nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979, José Eduardo dos Santos, foi premiado, nos Emirados Árabes Unidos, com o prémio de boa governação Meafrica Award.

Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, dizia que a “boa governação é sem sombra de dúvidas o factor mais importante que contribui para a erradicação da pobreza e promove o desenvolvimento”.

Os princípios políticos que sustentam a boa governação nas sociedades civilizadas, nas democracias e nos estados de direito são:

Qualquer cidadão, homem ou mulher, deve ter voz nas decisões políticas, seja directa ou através de instituições legítimas que representem os seus interesses. Esta participação deve ser construída na base da liberdade de associação assim como na capacidade de participar construtivamente;

A transparência é construída na livre circulação de informação, processos, instituições e informação. Estes deverão estar devidamente acessíveis aos cidadãos, com informação suficiente para perceber e monitorá-los;

Os que tomam decisões no Governo, no sector privado, nas Organizações da Sociedade Civil são responsáveis perante o público bem como junto das partes interessadas, devendo a prestação de contas ser obrigatória e verdadeira;

Todos os cidadãos, homens e mulheres, têm o direito de ter oportunidades para que possam melhorar e manter o seu bem-estar, sem estarem subjugados aos interesses de grupos organizados;

Os quadros jurídicos devem ser justos e aplicados de forma imparcial, em particular as leis sobre os direitos humanos;

Os processos governativos devem satisfazer as necessidades dos cidadãos e dar o melhor uso aos recursos de que dispõe;

A boa governação tem a capacidade de mediar os diferentes interesses para chegar ao consenso tendo em conta o que é melhor para a sociedade, sem exclusão de uns a favor de grupos dominantes;

Todas as instituições, com realce para as públicas, devem estar ao serviço de todos.

Para o Banco Mundial, o tema boa governação tem como princípios: Participação; Estado de Direito; Transparência; Capacidade de Resposta; Equidade; Responsabilidade; Eficácia e eficiência; Orientação Consensual e Visão estratégica.

Para o PNUD, a boa governação suscita os seguintes valores: Participação, Transparência, Responsabilidade, Equidade, Eficácia e Estado de Direito.

Para o DFID (Department for International Development de Londres), boa governação baseia-se em três grandes conceitos: Capacidade Estatal, Responsabilidade e Capacidade de Resposta.

Quando o presidente dos EUA foi ao Gana, apelou aos governos africanos que ponham termo às práticas antidemocráticas e brutais e à corrupção e que adoptem regras de boa governação. Barack Obama sabe o que diz mas, é claro, não diz (tudo) o que sabe, tal como todos os anteriores donos do poder nas terras do tio Sam.

Num discurso em Acra, capital do Gana, perante o Parlamento local, Obama enunciou um princípio que considera fundamental: “o desenvolvimento depende da boa governação, um ingrediente que falta há muito tempo e em demasiados países”.

É verdade. Mas muitos desses países mal governados, cheios de corrupção, são parceiros privilegiados dos EUA, seja em matéria de petróleo, diamantes ou até na compra de armas. Pois. Política é política, negócios são negócios.

O presidente norte-americano sublinhou que o apoio dos EUA ao desenvolvimento é feito em função do respeito pelas regras democráticas. Treta, como se sabe. Obama está, embora numa versão melhorada, a seguir as regras habituais dos anteriores presidentes. Hipocrisia não falta!

“O que fazemos é aumentar a nossa assistência aos indivíduos e instituições responsáveis, fazendo depender o nível do nosso apoio à observação das regras de boa governação”, disse Obama, certamente convencido que ninguém contesta a tese imperial do tio Sam de “olhai para o que dizemos e não para o que fazemos”.

“O fim da guerra fria e o surgimento da democracia marcou uma nova era em termos de ideais de desenvolvimento”, dizia em 2010 o Presidente da Comissão Executiva da União Africana, Jean Ping, destacando as questões da democracia como eleições, boa governação, descentralização, economia de mercado, intervenção mínima do Estado como azimutes para o futuro do continente.

Por sua vez o magnata britânico de origem sudanesa, Mo Ibrahim, que acumulou fortuna no sector das telecomunicações no Reino Unido, responsabiliza as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50, África estava melhor em termos económicos”.

Mo Ibrahim explica que “as enormes falhas na governação provocaram o retrocesso”, responsabilizando também os cidadãos porque foram eles que permitiram e que permitem que os destinos do continente fossem conduzidos por maus líderes.

“Não se justificam a fome, a ignorância e a doença que assolam África”, enfatiza Mo Ibrahim, para quem a solução terá de passar obrigatoriamente por “bons líderes, boas instituições e boa governação”, sem os quais “não haverá Estado de Direito, não haverá desenvolvimento”.

Numa elucidativa e demolidora definição, o moçambicano Tomaz Salomão, então secretário executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), dizia a propósito da presença de muitos regimes ditatoriais: “São ditadores, mas pronto, paciência… são as pessoas que estão lá”.

Por cá, talvez mostrando o que esteve na origem da compra deste prémio dos árabes, o MPLA tem o seu marketing a trabalhar na tese de quer transformar Angola num país desenvolvido e de referência em África e no Mundo. Isso mesmo afirma o secretário-geral do partido, Julião Mateus Paulo (“Dino Matross”).

Não percebe, contudo a razão de tal necessidade. Se Angola é, por força da impoluta governação do MPLA que já dura desde 1975, uma referência em todo o Mundo e arredores, para onde quererá “Dino Matross” que o reino vá?

É que Angola é mesmo uma nobre e incólume referência mundial, seja em que critério analítico for, graças exclusivamente ao MPLA e à liderança do “querido líder” José Eduardo dos Santos. Os árabes sabem bem disso.

Com 70% da população afectada pela pobreza, com uma taxa de mortalidade infantil que é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças, Angola é uma referência em África e no Mundo em matéria de boa governação.

Outros indicadores, basilares para que Angola seja a tal referência, o tal premiado país ao nível da boa governação, revelam que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e que somente 44% dispõe de saneamento básico, que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.

Mas há mais dados que revelam toda a capacidade que Angola e do seu divino líder em matéria da boa governação. Tem tudo, graças ao MPLA e ao seu líder – “o escolhido de Deus”- para ser um paradigma pelo menos africano e mundial: 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Recordemos exemplos inequívocos. Ainda não há muito tempo, os centros de saúde dos bairros Bula-Matady, Nabamby e o Hospital Municipal do Lubango, no bairro da Mitcha, na capital da província de Huíla, tiveram de solicitar às parturientes que se fizessem acompanhar de velas para a sua assistência, devido às falhas de energia e falta de geradores.

Mas em abono dessa divina governação do MPLA jogam outros factores que fazem de Angola a tal referência africana e mundial: a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação que é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino, 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

“Dino Matross” poderia igualmente, no âmbito dos mais altos valores patrióticos e de boa governação do MPLA, falar da dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens que é o método oficial do regime para amordaçar os angolanos ou, ainda, que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.

Também não seria descabido “Dino Matross” lembrar que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

“Dino Matross” lembrou-se, contudo, de dizer que a aposta do Executivo é na diversificação da economia para que o país deixe de depender exclusivamente do petróleo e dos diamantes e, mais importante do que tudo isso, que o MPLA, ao longo da sua trajectória, cumpriu os seus princípios ideológicos, enraizando-se no povo e tornou-se “numa força respeitada em Angola, em África e no Mundo”.

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