A verdade não tem dono

A verdade não tem dono - Folha 8

Organizações da Sociedade Civil, nomeadamente, a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e a Associação Construindo Comunidades (ACC) e a OSISA-Angola realizam até amanhã, em Luanda, 1ª Conferência sobre “O direito à verdade e à memória colectiva como direitos humanos e a construção do Estado de Democrático de Direito”.

Por Orlando Castro

D izem os organizadores que “a reconciliação nacional, a paz e a democracia constituem um processo contínuo e permanente, assentes na justiça, na tolerância e na verdade. E, como tal, existem diversos pontos no processo de reconciliação nacional que se apresentam como desafios para todos os angolanos, independentemente da sua filiação partidária, raça, etnia, origem, sexo, grau de instrução ou condição económica ou social.”

Acrescentam que, “neste sentido, entende-se que a reconciliação nacional e a democracia participativa são elementos fundamentais para a promoção do desenvolvimento sustentável em Angola, isto é, inclusivo, com justa e equilibrada distribuição dos recursos existentes e justiça social.”

Ontem, por exemplo, Eugénio Manuvakola e Raul Tati falaram do tema “Direito à Verdade e à Memória à Luz dos Vários Acordos de Paz: Gbadolite 1989, Bicesse 1991, Lusaca 1994, Luena 2002 e Namibe 2006″.

Lamentavelmente, os organizadores pretendem falar da verdade omitindo, à partida, uma parte relevante dessa mesma verdade. Isto é, esqueceram-se tal como mandam as regras da verdade oficial do regime, dos primeiros acordos de paz, que ficaram conhecidos como Acordos do Alto Cauango, assinados entre o MPLA e a UNITA, melhor, entre as suas forças armadas (FALA e FAPLA), no 19 de Maio de 1991 e que foram, de facto e de jure, a “mãe” de Bicesse.

Ao que parece, fazendo fé na verdade oficial do regime, continua a ser crime (talvez contra a segurança do Estado) o facto de esse acordo ter sido mediado por um autóctone angolano, com cultura do Sul e que pensa pela sua própria cabeça, William Tonet.

Custa, por muto benevolente que seja a nossa paciência, aceitar que organizações da sociedade civil se esqueçam, também, de factos e actores importantes, na empreitada para a paz em Angola.

A experiência internacional é importante, mas temos de emprestar maior rigor, cientificidade e proximidade identitária, ao objecto pretendido. Quem é mais relevante na história da reconciliação interna em África? A África do Sul ou o Brasil? Seguramente, a África do Sul, secundada, pela Tanzânia e o Ghana.

O apelo à experiência brasileira, paradoxalmente, não é dos melhores, quando se reconhece a resistência institucional de reconciliação com os índios e os negros brasileiros.

E não é por o regime ou organizações da sociedade civil esconderem a verdade que ela deixa de existir. Em 1991, quando as forças da UNITA sitiaram por 57 dias a cidade do Luena, William Tonet, que cobria o conflito por parte das tropas do “Galo Negro”, abordou o seu então amigo General “Ben Ben” e um outro general das FAPLA, Higino Carneiro, que aceitaram a sua proposta de tréguas de paz que ficou conhecida como os acordos do Alto Cauango.

Não adianta o MPLA, o regime e outros sipaios que se julgam donos da verdade, “esquecerem” a verdade dos factos. Eles são exactamente isso, factos. E um deles, o de ter sido um angolano a mediar pela primeira vez o conflito entre angolanos, deveria ser motivo de regozijo e de reconhecimento interno e externo.

Só a mesquinhez de uns tantos, revitalizada recentemente por Higino Carneiro, pode levar a que se tente, sem sucesso – é certo, apagar esta verdade. Uma de muitas outras que, infelizmente, ainda se encontram enclausuradas por medo de represálias.

O facto de o cidadão, jornalista, William Tonet ser inimigo público do regime, mau grado a sua luta ter sido sempre em prol dos angolanos, de todos os angolanos, revela igualmente que na História que o regime quer que se escreva só têm lugar os que são livres para estarem de acordo com ele.

É pena que a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e a Associação Construindo Comunidades (ACC) e a OSISA-Angola alinham nesta tese. A História não se esquecerá disso.

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